Imagem por Vinícius Boaventura (Creative Commons)

 

Publicado originalmente no Blog do Noblat em 24/04/2024 (Acesse aqui)

 

Elon Musk e os deputados republicanos invadiram, ofenderam a soberania do Brasil? A tal ponto do Supremo e governantes terem que responder? Não sei.

Mas sei sim que nossa soberania e, por consequência, nosso território estão ameaçados.

Soberania se constitui quando um povo encontra um território a ser chamado de seu. Ali se estabelece. Faz-se nação. Poder maior a ser obedecido internamente. É o direito de ser a única voz a dizer o Direito. E limite intransponível a ser respeitado pelas demais nações.

Porém, a soberania não é pacífica. É disputada. Por isso, múltiplas são as ameças a ela e ao território. Ameaças externas e internas. Ameças imateriais e materiais.

Antes as ameaças, invasões, guerras eram por meio de forças armadas. Físicas, materiais. Hoje não mais apenas.

Nosso território está multiameaçado. Corroído por fora e por dentro.

O episódio Elon Musk é apenas sintoma de problemas maiores. Sua “invasão” exemplifica a corrosão imaterial e transnacional que pode ter consequências no território material. Basta lembrar: sua Starlink faz parte do quotidiano de milhares de brasileiros da Amazônia e de outras partes nas quais não chega o Estado.

A reglobalização é a arena das disputas entre soberanias entre si, soberania e big techs, e até entre indivíduos com poder e expertise cibernéticos. Terra sem lei.

A aparente soberana jurisdição constitucional, neste contexto, é incapaz de vigiar e punir. Tenha ela a voz do Supremo, Congresso ou Presidência. Ou dos três. É uma reação de horror. Lembra O Grito de Edvard Munch.

Mas aí cabe a Elon Musk dizer o que é liberdade de expressão? Também não.

Reações locais acariciam o orgulho nacional, mas causam danos pequenos aos invasores globais. Qualquer análise custo-benefício entende. O invasor perde pouco localmente e ganha muito globalmente.

Santos Dumont inventou, glorificou-se, deprimiu-se e se suicidou ao ver o uso do ar como espaço de guerra. Nesta reglobalização, um dos espaços de guerra será também a nuvem — a do armazenamento. A luta será pelo controle das clouds, onde estaremos todos nós em forma de dados.

O inventor do modelo de redes sociais que conhecemos — Mark Zuckerberg — também se deprimiu. Com muito menos tragédia, pediu desculpas pelo que fez com os dados nossos. Mas só. Já está feito.

Eleições já foram influenciadas. Dados já foram vazados a companhias. Informação tão preciosa que é considerada o petróleo do século XXI. A “mineração” de big data não pode cair nas mãos de “garimpeiros ilegais” digitais.

Nada é novidade. A soberania do território é corroída pela imaterial politica financeira e cambial do Federal Reserve. Recentemente, também pelas epidemias.

Outra ameça à soberania e ao território, fruto dos tempos modernos, é a interna. No Brasil, pipocam sub-soberanias. Fácil perceber.

O Estado Democrático de Direito perde diariamente território jurisdicional para milícias, bicheiros, traficantes, mineradoras, garimpeiros, madeireiros, construtoras ilegais e tantos mais.

A captura do território implica na criação de sofisticadas cadeias de produção espalhando-se por todo o país. Sua especialização, seu produto principal, é o delivery.

Investem cada vez mais em logística pesada para o transporte de drogas. Capaz unir logística aérea, rodovias, ferrovias, transporte urbano. Do produtor diretamente ao consumidor. Monumental logística de transporte. Sofisticada. Apoiada em aplicativos, inteligência artificial e tanto mais.

Depois de ganharem o controle dos territórios nos grandes centros urbanos — favelas, comunidades, condomínios populares, mesmo algumas construções de Minha Casa Minha vida —, as sub-soberanias partiram para o controle de delivery local de energia e gás. Ganharam.

Controlam o acesso. Com isso, ganham mercado sem precisar se preocupar com produção.

Informações indicam que algumas milícias já controlam cerca de mil postos de gasolina. O que existe de mais inseguro do que um solitário posto de gasolina no meio da noite? O que existe de mais ameaçador do que o controle de milhares de postos de gasolina nas mãos erradas?

Como então nos defendermos destas ameaças dos novos tempos, vivemos uma soberania limitada? Meia soberania não é soberania.

Ninguém sabe o que fazer. Sobretudo como fazer bem.

Para sabermos o que fazer, contamos já com pessoas e instituições mobilizadas e competentes. E conscientes. Para tanto, foi criada a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Na sociedade civil, os exemplos são muitos.

Não é normal — preocupa-se e mobiliza a mídia Carlos Alberto Sardenberg.

Precisamos criar e implementar estratégias para competir na cena internacional — lidera o cientista Silvio Meira, do CESAR, no Recife, que sabe como fazer.

É indispensável conhecer melhor o Brasil — aponta o excelente Marcelo Nery, da Fundação Getulio Vargas.

Vamos reimaginar os centros urbanos e reconquistar a soberania interna — diz e faz Washington Farjado, agora no Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID).

Se as circunstâncias mudam, você tem que mudar também, ensina Lorde Keynes. A soberania também. Se não, deixa de ser soberania.