Publicado originalmente no portal Jota no dia 06 de junho de 2023 (Acesse aqui)

Caro leitor.

Sugiro acompanhar a realidade cotidiana desta temporada de nomeações para o Supremo e tribunais superiores, e, ao mesmo tempo, conhecer a recente pesquisa empírica “Os Donos do Direito, do IESP/UERJ.

Explicam-se mutuamente. Complementam-se. Todos ganham. Vejam só.

Antes da indicação de Cristiano Zanin ao Supremo, os pesquisadores já indicavam o que poderia acontecer com base em dados: “É notável a porosidade do cargo [de ministro de Supremo] a indivíduos sem tradição familiar nas profissões jurídicas, oriundos de famílias de imigrantes, de origem das classes médias e de naturalidade interiorana”.

Aconteceu. Não foi premonição. Foi pesquisa bem-feita.

“Os Donos do Direito” tem forte base quantitativa. Produzida por Fernando Fontainha, com Rafael Mafei, Ângela Moreira e Marco Aurélio Mattos. A seu modo, inédita no país.

Biografia coletiva do Supremo, através da análise do percurso individual de 33 ministros. Entre 1988 até 2013. Muitos dos atuais.

Por que um supremável teria maiores chances do que outro?

Múltiplas variáveis a considerar. Origem social, familiar, ensino jurídico, atividades políticas, carreira profissional, processo de nomeação, negociação política, capital social, vínculos e redes. E tanto mais.

A pesquisa garimpou. Oferece uma mina de dados.

Informam até mesmo a atividade do pai. De Joaquim Barbosa, pedreiro. De Sydney Sanches, ferroviário. Faltou o de Carlos Alberto Direito. Acresço então: importante empresário do Pará, sócio de revendedora de automóveis.

“Os Donos do Direito” é mais do que biografia coletiva do Supremo. Mais que radiografia. Ressonância magnética. Cintilografia mesmo, de sangue correndo nas veias sociais da elite judicial.

Não basta a você, leitor, ou ao candidatável, recondo ou não, acompanhar mídias e horárias análises de conjunturas. Quem almoçou com quem? Na casa de quem? Quem vazou o charuto e o menu?

Nem acreditar que radicalizações partidárias, doutrinárias, ideológicas e irrelevâncias são tudo. Conhecer a história do Supremo conta. Sempre informadora. Às vezes explicadora. Não necessariamente determinadora do presente.

O que importa para a nomeação do indicado? Quem é a elite judicial?

Uma das características-síntese: ser da elite brasiliense, antes de tudo. E antes da candidatura. Não importa a naturalidade, o estado de origem ou de exercício da profissão. Se vem de Monteiro, na Paraíba, ou Piracicaba, em São Paulo.

Nascem longe, mas tem que vir, ficar perto.

Vir para Brasília é “propulsão” candidatável. Mesmo sem querer, querendo.

Sepúlveda Pertence foi um dos pioneiros. Deixou o Rio, foi para Brasília. Moreira Alves também. Alexandre de Moraes deixou, sem deixar, São Paulo e foi para Brasília. Cristiano Zanin notabilizou-se em Brasília. E tantos mais.

Supremáveis têm maiores chances quando integram e se entregam à elite brasiliense. Preferencialmente em carreira pública ou cargo do Estado. O que não significa fazer política partidária. Esta seria proibida pela interpretação constitucional atual. Os pesquisadores foram prudentes.

É difícil captar partidos, neste país de ajuntamentos impermanentes. Como se fossem guarda-chuvas descartáveis ou filtros solares que se deixa na praia. Difícil distinguir a ação política formalmente partidária da ação política informal, mas de consequências partidárias.

Ter feito concurso público, inclusive para a magistratura, não é decisivo. Mas ocupar cargos públicos junto ao Poder Executivo é. E muito. Quase 80%. Depois cargos no Congresso e muito depois no setor privado.

Atuar no sistema judicial como um todo, sim. Tribunais superiores e procuradorias. E também praticar a advocacia. Que é parte deste pipeline judicial. Lobbies de todos os matizes também.

Basta hoje atentar para a crescente interação de grandes escritórios de advocacia com ministros do Supremo. Dentro e fora dos autos. Sob refletores.

A brasilianização da elite judicial se materializa de várias maneiras. Uma delas, documentada, é pela tradição de festas e homenagens. Placas, comendas, colares, medalhas, láureas, prêmios, títulos. Quase nobiliárquicos. Locus onde a ambição por cargos formais disputam-se na informalidade dos contatos interpessoais. Ouvido a ouvido. Mais seguro do que na internet.

De difíceis escutas clandestinas.

Tradição desde d. João VI. Rei visitante, distribuía títulos honoríficos à procura de apoio político local para a burocracia do Império.

Na informalidade festiva, geram-se, nutrem-se e adubam-se nomeações. Candidatos. Decisões judiciais discricionárias. Abate-se ou vivifica-se jurisprudências.

A política das festas e homenagens: tema a merecer atenção de pesquisadores e juristas. Consultorias também.

Sem salão, corredor, churrasco ou jantar, as chances são menores. O gabinete sozinho pouco nomeia.

As homenagens servem símbolos de notoriedade cultural. Até da exigência de notável saber jurídico. Nos currículos, constam também mestrados e doutorados. Em casos isolados, incluem meio-mestrado e mestrados inexistentes.

Outra característica-síntese da biografia coletiva do Supremo é a subalternidade. Nenhuma ofensa. Nada a ver com ministros subalternos. Mas apenas com o ethos sociopolítico dos ministros a fazerem política à sua maneira: através da porosidade das interações.

Interações aparentemente anódinas, mas de consequências políticas e até mesmo político-partidárias. Integrações com as demais elites. Públicas ou privadas.

Fundamental ser elite. Mesmo que temporariamente subalterna, desde o nascer do desejo até a explicitação da candidatura, competição, nomeação, atuação, aposentadoria e além. Transforma-se em elite nacional.

Como captar esta porosidade política?

Ela está acima de determinismos ideológicos ou políticos. Exige flexibilidade. É como se fosse uma infraestrutura, uma plataforma do poder. Porosidade sedimentada como elite social, cultural. Financeira, sobretudo. Fazer parte dos 1% no topo da pirâmide da renda individual.

Mas quem são, afinal, os donos do direito?

Manoel de Barros, poeta maior, responderia enigmático: “Se a vida não corresponde aos fatos, pior para os fatos”.

Cabe a você leitor, ou candidato, apoiador ou nomeador, mixar e interpretar todas essas e outras variáveis. Escolha as decisivas.