Publicado originalmente no Blog do Noblat, do Jornal Metrópoles, no dia 27 de maio de 2023 (Acesse aqui)

O país está cada vez mais perplexo. Com as notícias sobre a imprevisibilidade das decisões dos tribunais superiores. Com a autodesorganização do sistema judicial.

Diante, por exemplo, da declaração do ministro Dias Toffoli, publicada pela Veja. Votou a favor da condenação de José Genoíno no Mensalão contra sua própria convicção para participar do cálculo da pena. Propôs pena cuja duração levaria à prescrição. Absolvição na prática. A não convicção como manobra processual.

Ocorrida também na decisão unânime do TSE que anulou a candidatura de Deltan Dallagnol e, na prática, cassou seu mandato. Apoiando-se no voto do relator, contrariou a própria narrativa jurídica em que se fundamenta. Pretensas intenções no lugar de fatos concretos.

A desorganização do Poder Judiciário, onde não se sabe quem manda em quem, e quando, e por quanto tempo, é importante componente do custo Brasil.

O investidor precisa de tempo para fazer sua empresa. Criar empregos. Desenvolver tecnologias. Do contrário, se retrai.

A imprevisibilidade judicial espalha o medo. Medo não é bom para a democracia.

A médio e longo prazo, menos importa se tribunais estejam decidindo certo ou errado. Importa mais o processo decisório, o direito processual, é previsível. Não está sendo.

Gilberto Freyre dizia que os juristas, de tão fechados em si mesmos, precisariam fazer psicanálise.

Não vamos a tanto. Mas podemos descrever alguns sintomas psíquico- doutrinários.

O principal é a prática da elasticidade dos conceitos jurídicos criados como alicerces democráticos. Por exemplo, o conceito de discricionariedade.

A discricionariedade, administrativa, legislativa ou judicial, é limite. Se for ilimitada, vira arbitrariedade. Vontade pura sem limites. Fi-lo porque qui- lo, como dizia Jânio Quadros.

A discricionariedade vira manto diáfano, lembrando Eça de Queiroz, da nudez crua do autoritarismo. Tem aparência de legalidade. Mas não é. Mesmo quando se pretende unânime.

Neste ano não teremos campanhas eleitorais. Mas estamos imersos nas campanhas eleitorais judiciais. Para as vagas do Supremo. Para as vagas do STJ. Há pouco, do TSE.

Coincidência ou não, o poder de pauta dos tribunais, conceito garantidor de sua independência, foi elasticamente usado agora no caso de Deltan Dallagnol.

Campanhas acendem ambições e desejos do andar de cima do sistema judicial , diria Elio Gaspari.

Nada contra ambições e desejos. São impulsos da vida. Nem contra as duas indicações agora feitas pelo presidente da República para o TSE. São dois professores honrados e competentes.

Mas quem tem tempo não tem pressa, dizia o ex-vice-presidente Marco Maciel. O presidente Lula sabe bem gerir o tempo do poder. Quanto mais acender ambições e desejos, mais pode gerir seu poder.

Campanhas eleitorais judiciais que acendem desejos e ambições correm o risco de se traduzir em servidão voluntária, como diz La Boétie.

Servidão voluntária de tribunais também.

O TSE deu claro recado ao Congresso. Sistemas judiciais fechados em si mesmos como alertara Freyre, hoje se traduzem em tribunais blindados por si mesmos. Imunes até ao controle do próprio Congresso.