Artigo com Diego Werneck Arguelhes publicado no site Jota em 12 de agosto de 2015 (Acesse aqui)

Para além dos casos a julgar, o Supremo volta do recesso com uma pauta institucional. São três desafios que dizem respeito à própria legitimidade do tribunal. Neste semestre, o ministro Lewandowski entra na segunda e última parte de seu mandato. Se não começar a enfrentar a pauta institucional agora, deixará esse legado para a ministra Cármen Lúcia.

Um primeiro desafio diz respeito à relação do Supremo com o Executivo e o Congresso: o desafio de sua independência política. De um lado, o Supremo será chamado a decidir conflitos entre os poderes e o próprio destino de políticos, especialmente com a crescente atuação do tribunal no caso da “Lava Jato”.

De outro lado, e ao mesmo tempo, o Supremo depende do Congresso e do Executivo para avançar uma pauta corporativa, envolvendo, sobretudo, salários de servidores e juízes, mas que se desdobrará na elaboração da Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN).

Entre depender dos políticos e decidir o destino deles, os ministros do Supremo precisam proteger sua imagem de imparcialidade. Inclusive porque o tribunal pode acabar sendo tragado por esses conflitos, passando de arbitro a alvo. Quando aprovou a PEC da Bengala, o Congresso sinalizou que pode legislar diretamente sobre a estrutura do Supremo com objetivos políticos de curto prazo. Para o bem ou para o mal.

Um segundo desafio é o da autoridade interna. A capacidade do Presidente da Corte de fazer valer regras de conduta e tradições diante de ministros que as descumprem publicamente. No momento atual, dois comportamentos individuais desafiam recorrentemente o Supremo como colegiado: pedidos de vista não devolvidos e pronunciamento na mídia sobre casos pendentes de julgamento.

A vista é limitada pelo regimento. A manifestação de opinião publica sobre a decisão futura é proibida pela LOMAN. Nos dois casos, porém, a prática individual dos ministros varia muito, com frequência indo muito além desses limites.

Quando um ministro desrespeita a LOMAN, desrespeita o Congresso e o Judiciário como instituição. Como fazer valer essas regras? Alguns ministros já afirmaram, dentro e fora dos autos, que o tribunal estaria além do alcance disciplinar do Conselho Nacional de Justiça. Mas nem por isso os ministros poderiam se colocar além da ética profissional imposta pelo cargo de juiz. Se o Supremo não controlar a si mesmo, quem o controlará?

Finalmente, um terceiro desafio diz respeito à sua eficiência operacional. Na gestão do ministro Lewandowski, intensificaram-se os esforços do tribunal em prol de gestão mais eficiente dos milhares de processos que não param de chegar.

Cada gabinete tem suas práticas e velocidades próprias, mas a questão transcende a performance individual. No primeiro semestre, se excluirmos os processos julgados em lista – isto é, processos repetidos, muitas vezes decididos em minutos –, o plenário do supremo julgou menos de 3,5 processos por sessão.

O numero de processos novos no Supremo parou de cair, estabilizando-se em cerca de 70 mil por ano. E são hoje mais de 320 processos parados, esperando julgamentos em que o Supremo reconheceu a repercussão geral, mas ainda não decidiu; nas instancias inferiores, centenas de milhares de processos aguardam a orientação do Supremo nesses casos.

A repercussão geral tem sido um mero mecanismo de filtragem de casos. Função mais defensiva do que construtiva, mais focada no próprio Supremo do que na justiça como um todo. Como transformá-la em um verdadeiro pacificador de conflitos no resto do país?

No ano passado, o ministro Barroso formulou uma proposta amplamente divulgada. Poderia ter dado certo. Em todo caso, é preciso tentar. Deve haver alguma estrutura sobre a liberdade dos ministros de segurarem processos com repercussão geral já reconhecida. Mas, quando se trata de reformular seu processo decisório, o Supremo parece imobilizado.

Muitas vezes, reformas na justiça dependem de movimentos do Congresso ou do Executivo. Mas não é o caso aqui. A boa notícia é que, para enfrentar os três desafios institucionais acima, o Supremo depende apenas de si próprio. A má noticia é que não podem ser resolvidos com individualidades. Neste semestre, o Supremo vai precisar de mais Supremo.