Publicado originalmente na Folha de S. Paulo no dia 29 de abril de 2003.

O Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Fiat são as empresas com maior número de processos em trâmite no Tribunal Superior do Trabalho. A Fiat, sozinha, tem 4.796 processos. Esse contencioso representaria cerca de 28% dos atuais funcionários da empresa. O TST começa a verificar que há algo errado. Esse expressivo número resultaria de política para retardar o pagamento dos débitos trabalhistas a seus ex-funcionários. São recursos, agravos e embargos que se colecionariam sem fim, utilização patológica do Judiciário: para adiar, e não para fazer justiça.

Utilizar o Judiciário contra a justiça não é novidade. Na verdade, hoje em dia, quase nenhuma empresa entra com ação sem antes fazer o cálculo financeiro do seu custo/beneficio. Cálculo simples, mais ou menos assim:

Somam-se as despesas que se terá com a ação em caso de derrota; tudo incluído, honorários de advogados, inclusive de sucumbência, taxas, custas etc. Chega-se a um total x. Depois, calcula-se o custo financeiro anual caso se obtivesse um empréstimo para pagar os direitos do empregado, o principal, multiplicado pelo número de anos até a execução da sentença. Chega-se ao total y. Em seguida, comparam-se os dois: os custos do processo (x) com os custos financeiros do principal (y). Se y for maior do que x, é ótimo negócio ir para o Judiciário. A empresa ganhará financeiramente, mesmo se perder judicialmente. Sem contar que, a meio caminho, quem sabe, pode-se fazer um acordo ou mesmo ganhar a ação.

Exemplificando. Vamos supor que estivessem em disputa R$ 100 entre a Fiat e seu funcionário. Estes R$ 100, se a empresa tivesse que captá-los no mercado, custar-lhe-iam cerca de 40% ao ano, no mínimo. Se os custos totais do processo, divididos pelo número estimado de anos que levar a ação judicial, for menor que R$ 40, vale a pena não só brigar na Justiça, mas procrastinar ao máximo. A cada ano, mantidas as mesmas taxas ou semelhantes, os lucros serão maiores. A empresa passa a ser sócia da lentidão do Judiciário. Quanto mais lenta a Justiça, maiores os lucros privados.

Na medida em que as custas e taxas que a Fiat pagaria ao Judiciário não cobririam todos os custos que o Judiciário incorreria para julgar o caso (por exemplo, salário de juízes e serventuários, depreciação de investimentos etc…), quem possibilitaria o lucro da Fiat seria o orçamento do próprio Judiciário. A estratégia de procrastinar sentenças se revela, então, um subsídio velado, transferência indireta do orçamento do Judiciário para uma das partes. Trata-se de indevida apropriação privada de recursos públicos, de disfarçada privatização financeira de um ideal público, o ideal de justiça.

A primeira novidade é a seguinte: tudo indica que o TST começa a fazer esses cálculos. Começa a se indignar com essa prática antipatriótica. Não quer mais ser usado. A segunda novidade é que o TST, com base na lei, multou a Fiat por litigância de má-fé, pelo caráter protelatório dos embargos e por causar prejuízo aos trabalhadores. Com a multa, o TST aumenta os custos do processo. Se essa atitude no Judiciário se disseminar _o que deveria, o desafio vai ser impor multas em montante capaz de inverter o custo/benefício. Ou seja, tornar y sempre menor que x. Só assim se desestimulará esse tipo de litigância.

Em alguns países escandinavos isso é prática corrente. O juiz pode considerar que o recurso, o agravo, é temerário e, como tal, impõe custos indevidos ao Judiciário: rouba o tempo do juiz e dos serventuários, acarreta desperdício público etc. O juiz simplesmente impõe esses custos à parte responsável.

Se o próprio Judiciário começar a aplicar a lei atual, sobre lides temerárias e litigância de má-fé, e multar as partes responsáveis, cairá muito o número de recursos. Seriam menos processos, menos sobrecarga de trabalho.

Mas onde está o ovo de Colombo? Muito simples. Está na hora de o Judiciário deixar de colocar a culpa da lentidão judicial no direito processual e nos advogados e agir mais determinadamente com os instrumentos de que já dispõe. Para se autodefender, o Judiciário não precisa de ajuda de ninguém. É o que evidencia o caso Fiat. Nem do Executivo, nem do Legislativo. Não precisa de emenda à Constituição. Não precisa de novas leis. Não precisa, neste caso, de mais recursos financeiros, melhores salários, prédios novos ou computadores. O TST precisou apenas aplicar a lei existente, em sua própria defesa.