Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 20.03.2015

por Joaquim FalcãoRubens Penha Cysne

Sistemas dinâmicos onde comportamentos coletivos se façam presentes estão em geral sujeitos a oscilações exageradas. Vai-se muito para um lado e, depois, em demasia para o outro lado, como em um pêndulo oscilando mais do que o que seria adequado.

Tome-se um país onde tenha havido intervenção militar no seu sistema de condução jurídico-política. Como de 1964 a 1985.

É típico sob tais circunstâncias que a sociedade passe a se preocupar mais com excessos relacionados a não observância de direitos humanos e à prisão de inocentes do que com o possível exagero na não punição de culpados. Isto é, daqueles que eventualmente praticaram atos de violência, censura e repressão ilegalmente. Neste caso o pêndulo estaria, digamos, numa posição à direita do ponto de equilíbrio, o que se traduz aqui pelos excessos na punição a inocentes.

Suponhamos agora que este mesmo país redemocratize seu sistema jurídico-político. Como fizemos com a Constituição de 1988, que optou pelo Estado Democrático de Direito.

Para defender-se dos exageros do sistema anterior, salvaguardas de defesa podem ser concebidas além do ponto de ótimo. Estabelece-se a então grande chance de que o problema se inverta: a lentidão da Justiça, as tecnicalidades irrelevantes para um suficiente devido processo legal, ou mesmo a existência de um filtro judicial que cria distorções, voluntárias ou não, pouco importa, em desfavor dos mais pobres.

A sociedade passa a preocupar-se mais com os culpados não punidos do que com os inocentes injustamente punidos.

O pêndulo move-se agora para o lado esquerdo do que seria seu ponto de ótimo.

Estatísticos diriam que há um desequilíbrio traduzido por exageros na troca de erros do tipo I (punição de inocentes) por erros do tipo II (não punição de culpados). Na prática, por exemplo, a solução de processos jurídicos passa a requerer inúmeras e repetitivas esferas de julgamento. A lerdeza processual geradora da não decisão no tempo razoável, como manda a própria Constituição, tem como resultado a não punição de culpados  e passa a incomodar fortemente a sociedade.

De certa forma este tipo de raciocínio pode ajudar a entender melhor o que ocorre no Brasil neste momento de maior amplitude democrática. No período 1964-85, a preocupação maior da sociedade era relativa à punição de inocentes e à proteção aos direitos humanos. O pêndulo situava-se à direita.

Com a redemocratização, o pêndulo parece ter-se movido para a esquerda do seu ponto de equilíbrio. Observa-se no comportamento das ruas e da mídia, das mídias sociais, sobretudo, seja nas conversas, notícias ou discursos, uma luta contra o que se convencionou chamar de “impunidade”.

O que mais tende a preocupar a sociedade passou a ser a não punição de culpados, em particular nos delitos relativos a transações comerciais e financeiras, sobretudo quando envolvem decisões discricionárias da burocracia, como licitações, financiamentos subsidiados, omissões de fiscalizações adequadas, desonerações fiscais “ad hoc” e tanto mais.

Nestes casos, a percepção mais usual aponta a existência de um excesso de subterfúgios e de sua contrapartida, intencionais omissões processuais que retardam e dificultam  a aplicação da Justiça. A partir de certo ponto, a sociedade tende a tomar para si a solução do problema usando os elementos dos quais dispõe, a mídia e as redes sociais.

É o que temos assistido. O início de uma mais ativa participação da população, fora da área demarcada da oscilação institucionalizada do pêndulo jurídico. No fundo um dos estímulos à participação da sociedade e a um ativismo da mídia, inerentes aliás a qualquer democracia, é a incapacidade do sistema judicial de encontrar o ponto ótimo de pêndulo jurídico no correr  de suas decisões.

O problema é que a partir daí podem-se abrir graves lacunas com relação ao problema contrário: o da possível punição de inocentes. Um risco que também estamos correndo agora.

Em suma, estabelece-se o risco de nem os culpados serem punidos da forma como estabelece a lei, nem os inocentes serem preservados, como é seu direito perante a lei.

A solução do problema está na reformulação jurídica. Esta deve traduzir os novos anseios da população. O sistema jurídico precisa se adequar aos novos tempos, nos quais o pêndulo social traduz maiores demandas por punição de culpados (particularmente no caso dos delitos anteriormente tipificados), e não por salvaguardas exageradas. Mesmo que legalizadas ou doutrinárias.

É preciso reduzir os subterfúgios processuais de defesa ao nível desejado pela população. Claro que com o devido cuidado, para que o pêndulo não oscile uma vez mais de forma exagerada.