Artigo publicado no Jornal Folha de S. Paulo, em 10.11.2017 ( Acesse aqui )

No começo da Lava Jato, advogados criminalistas foram protagonistas. Defendendo clientes. Falando nos autos e fora deles. Dando entrevistas. Vigiando juízes, procuradores e policiais que violassem o devido processo legal. Alguns iriam à Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica. Outros denunciaram a delação premiada como inconstitucional.

Tudo de muita visibilidade.

Certos ou errados, foram proativos. Agora, menos. Por quê?

Não era o devido processo legal individual que estava ameaçado pela Lava Jato. Embora, às vezes, pudesse ter sido. Estava em jogo a evidência pública de que a corrupção não era ato individual. De uns ou muitos políticos, funcionários ou empresários. Não era problema quantitativo. Mas qualitativo, sobre a estruturação do próprio Brasil.

Para o Estado democrático de Direito, a defesa dos direitos individuais na administração da Justiça tem sido bastante assegurada. Já o combate à corrupção sistêmica, não.

O réu nacional, hoje, não é A ou B. Não é cliente de criminalistas. É a corrupção sistêmica. A Lava Jato e mais de 40 processos abertos em todo o Brasil serão avaliados na história não pelo número de condenados, mas se foram ou não capazes de mobilizar o país para acabar com a corrupção sistêmica.

Trata-se de complexa teia de multicriminalidades concomitantes, o que torna a defesa individual dos acusados quase sempre impossível.

Diante dela, criminalistas ficam sem instrumentos necessários. São contratados não pela competência em conseguir absolvição, mas pela habilidade de adiar condenação futura. Adiar é vencer.

Nesse contexto, a ausência de uma decisão judicial final, a lentidão processual, tornou-se imortal, o que é explicável. Nosso direito processual é moldado pelo individualismo liberal. Consegue punir a corrupção individual. Ótimo. Mas não consegue acabar com a corrupção sistêmica que persiste. Péssimo.

Numa sociedade interconectada, anônima e tecnológica, esse individualismo processual produz um ideal de justiça muita vez inalcançável. Toda ação provoca reação igual e contrária. O combate judicial à corrupção sistêmica provoca a defesa política da corrupção sistêmica.

Isso ocorre por meio de aliança entre membros do Executivo, do Congresso e de algumas corporações que estão no poder, cujas decisões afetam além do indivíduo.

Elas modelam o funcionamento das instituições democráticas e as deturpam sob a aparência do exercício do poder legal.

Está em curso o que chamamos de “defesa legal da corrupção sistêmica”, apressada para ser encoberta pelo manto diáfano das eleições de 2018.

Busca-se dividir o Supremo Tribunal Federal, torná-lo inseguro. Afastá-lo do senso comum da indignação popular. Não votam novas leis e emendas anticorrupção. Tenta-se detonar a necessária mudança do foro privilegiado.

Coloniza-se a Justiça eleitoral. Adia-se ou distorce-se a reforma política. E que os políticos acusados de corrupção continuem financiados pelos mesmos corruptores.

A ponta do iceberg dessa operação antidemocrática foi o caso do senador Aécio Neves. Um Supremo hesitante —com alguns ministros quase envergonhados—, em nome da separação dos Poderes, criou norma abstrata que, concretizada, tem alvo certo: defender a corrupção sistêmica.

Aliás, essa defesa aparentemente legal nem se importaria em entregar tantas corrupções individuais, quantas fossem necessárias. Para que o futuro fosse igual ao passado.