Artigo publicado no Jornal do Commercio em 21.09.2014

Imaginem um fuxico gigantesco. Algo como cinco metros por dez. Um fuxico voador. Todo colorido. Colocado não como cortina de boca de cena. Mas ao contrário, como cortina de boca de fundo do Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro.

Fuxico é aquele bordado popular, de retalhos de panos diversos, unidos pelas pontas, formando com os vazios quase um cobogó flutuante. Colcha que muito se usa, engraçando as camas de nossas casas populares.

O Teatro Casa Grande é o mesmo onde na década de oitenta Chico Buarque e tantos outros defenderam a democracia e lançaram o “Censura Nunca Mais ”. Entrou para a história.

O mesmo onde Fernando Lyra, Ministro da Justiça escolhido por Tancredo Neves, mas empossado por José Sarney, tentou defender seu inesperado presidente.

Lyra, dilacerado entre a admiração por Tancredo e os deveres para com Sarney, diante de plateia hostil, discursou: “Sarney é a vanguarda do atraso.” Defendeu?

Neste teatro, com o fuxico ao fundo, se apresentou recentemente o musical “O Nosso Villa”, música e dança do importante projeto social Aria Social, comandado por Cecília Brennand. Foi um sucesso.

Fachadas, portas e janela de gritantes cores das casas populares de beira de estrada do Nordeste poderiam ter saído do livro de Anna Mariani.

Ouvindo a música de Villa Lobos as fachadas se transformam no trenzinho caipira e se movem nos trilhos imaginários de jovens bailarinos, de desempenho profissional com alegrias e entregas de muito mais.

No Choro N. 1, mulatas cariocas se transformam em passistas pernambucanas, volumosas, torneadas, quase saboreadas, saídas dos quadros de José Cláudio.

Pode se estar ao mesmo tempo tanto em botequim do Rio onde tamboretes se transformam em pandeiros, quanto nas ladeiras de Olinda.

De repente as florestas da Amazônia invadem o palco, com palhas, pios, cantos, símbolos e realidades nossas. Com pássaros, os melhores amigos dos músicos, diria Turíbio Santos. Ele próprio o melhor dos intérpretes de Villa Lobos.

Ouve-se prelúdios, tocatas e cantilenas vindas da excelência do violoncelo europeu e da sutileza do pau de chuva indígena. Vindos de sincretismos sonoros. De som mestiço, diria Jorge Amado.

Villa Lobos é um intérprete do Brasil. Tanto quanto o foi ou são Gilberto Freyre, Raymundo Faoro, Euclides da Cunha, José Bonifácio, Tom Jobim, Fernando Henrique, Lula, Ariano ou Caetano Veloso.

Uns com o seu escrever. Outros com o seu musicar. Todos a nos descrever e explicar.

O espetáculo é isto. Criativa, entrelaçada, elegante, popular interpretação do Brasil pelo entusiasmo de jovens bailarinos, pernambucanamente brasileiros. Pura celebração.