Publicado originalmente no Jornal do Commercio de Recife, no dia 1ª de novembro de 2013.

Um dia visitei Paulo Freire, em São Paulo, como secretário de educação da então prefeita Luiza Erundina. Paulo estava meio deprimido. Perguntei por que. Ele me disse: Joaquim, até a direita está tentando usar meu método de alfabetização. Esta é uma desvirtuação, lamentava. 

Na mesma hora lembrei-me da depressão de Santos Dumont, ao ver sua invenção, o avião, feita para o bem da humanidade, ser usada como arma mortífera da Primeira Grande Guerra. O compromisso de Santos Dumont com o bem da humanidade era tão decisivo que ele se recusou, como não fizeram os Irmãos Wright, americanos a patentear a invenção do avião. 

Era o compromisso de Santos Dumont com a liberdade de pensar, um bem público tão visceral quanto o de Paulo Freire. Não é por menos que, de início, o grande desenvolvimento da aviação ocorreu na Europa onde o conhecimento era livre.

Em carta, provavelmente inédita, não sei, Paulo doou os originais de “Pedagogia do Oprimido” a dois queridos amigos que o acolheram no exílio no Chile: Maria Edy e Jacques Chonchol.

Na dedicatória emocionada ele dizia: “Faz este mês exatamente quatro anos que deixava o Recife, seus rios, suas pontes, suas ruas de nomes gostosos – Saudade, União, Sete Pecados, Rua das Creoulas, Chora Menino, Amizade, Sol, Aurora. Deixava o mar de água morna, as praias largas, os coqueiros. Deixava os pregões. Doce de ba´na e goiaba. Deixava o cheiro da terra e das gentes dos trópicos. Deixava amigos, as vozes conhecidas. Deixava o Brasil. Trazia o Brazil”.

Este ano faz cinquenta anos da experiência de Angicos, município onde ele iniciou seu método.

Provavelmente muitos já compararam seu método com o método socrático. Aquele de perguntas e respostas, onde professor e aluno dialogam, em vez de preleções, aulas bancárias, onde o aluno é apenas um depósito, ou aulas conferências, como se diz nas faculdades de Direito. Onde o professor despeja nos alunos um saber em geral importado da Itália, Portugal Estados Unidos ou Alemanha.

No método socrático, a verdade ou a justiça aparece a partir da valorização da realidade que cerca o diálogo, valorizado o aluno como interlocutor na busca da verdade e da justiça. Não apenas referente ao caso jurídico especifico em discussão. Mas ao próprio contexto onde a justiça é praticada no nosso país. Captada sobretudo pela sociologia do Direito. 

Não é por menos que muitas faculdades de direito usam cada vez mais a combinação entre a compreensão sociológica e o método socrático. Muito além de um método de treinamento da argumentação jurídica interrompida. A aula dogmática é apenas uma aula inacabada. Ou acabada a força. O método de Paulo pode ser uma construção e reconstrução da justiça real da vida de cada um. Seu método pode mesmo ir muito além de Paulo Freire. Traz o Brasil para as escolas de direito também.