Artigo publicado no Jornal do Commercio, em 09.11.2008.

É cena quase comum no calçadão de Boa Viagem. Um vem por detrás e dá violento empurrão. Outro, pela frente, agarra e derruba a vítima. O terceiro fica um pouco mais longe, para qualquer emergência. Tudo para, em trinta segundos, roubar o celular. E fogem correndo. Cada um para um lado. Vão se reencontrar alhures.

A posterior solidariedade popular é imediata. Um traz copo d’água para acalmar o susto. Gelo para desinchar o hematoma. Outro oferece seu próprio celular para pedir ajuda. Outro quer chamar a ambulância, porque está sangrando. Buscam táxi. E, inexplicavelmente, ao procurarem a polícia, que estava a cerca de 200 metros, percebem que a viatura arrancou em sentido contrário ao dos jovens assaltantes! Tudo em menos de dois minutos. Uma eternidade.

O roubo de celular, com ou sem lesão corporal – e até homicídio às vezes – é um dos principais fatores da violência urbana. E, no entanto, é algo passível de se controlar e evitar. Vejam só: Não se assalta hoje com o objetivo de roubar cartão de crédito. Preferem-se dinheiro e jóias. “O relógio, rápido!”, “celular, celular!” são as palavras de ordem. Por motivo simples. Roubar cartão de crédito é quase inútil. O benefício do crime dura, no máximo, meia hora. Apenas o tempo da vítima telefonar para a operadora do cartão, que o bloqueia instantaneamente. Assim que se avisa à operadora, ela bloqueia a linha telefônica. Mas não impede a reutilização do aparelho celular com outra linha. Aí está o problema. Se impedisse, o celular roubado seria, em dez minutos, objeto inútil, não compensando o risco do assalto.

Na verdade, até existe um Cadastro de Estações Móveis Impedidas (Cemi), da Anatel. Uma vez registrado o roubo ou furto – caso em que o celular é subtraído sem uso de ameaça ou violência – neste cadastro, o celular não pode mais voltar a ser ligado. Dos cerca de 104 milhões de celulares existentes, cerca de 4 milhões estão incluídos no cadastro criado em 2000. Ou seja, a cada dia, registram-se pelo menos 1.600 mil novos casos novos de celulares roubados ou furtados. O número total desses crimes deve ser muito maior, pois a operadora não os registra automaticamente e quase ninguém conhece este cadastro. Há que se preencher uma série de documentos formais, o que, somado ao trauma do assalto, à perda financeira e às dificuldades burocráticas, faz com que poucos registrem seus celulares no CEMI.

Assim como está, este cadastro tem a virtude da existência, mas não da eficiência. Assaltantes continuam cometendo crimes, porque as operadoras continuam permitindo a reutilização do celular roubado ou furtado. Tornar eficiente este cadastro é tarefa urgente para a Anatel. Se ela precisar de ajuda tecnológica para implantar um sistema destes, pode ligar para o César, aqui no Porto Digital, que eles sabem como fazer.

O deputado Bruno Rodrigues, daqui de Pernambuco, tem um projeto de lei na Câmara dos Deputados desde 2007 (PL n. 1261/07), que adota formas mais rigorosas de controle dos telefones celulares em circulação no País. Segundo este projeto, as empresas prestadoras de serviços de telefonia móvel seriam obrigadas a consultar o CEMI antes de habilitar o aparelho celular. Seria preciso, pois, uma espécie de “certidão negativa” do aparelho expedida pelo CEMI para habilitar uma linha.

Esta é iniciativa importante e deveria estimular a Anatel a agir imediatamente. Imaginem os ganhos de legitimidade para a Anatel junto aos seus consumidores e à população em geral se ela conseguisse tornar inútil roubo e furto de celulares. Aliás, as agências reguladoras deveriam ser os primeiros defensores dos direitos dos consumidores. E não apenas os fiscais da concorrência entre operadoras. A concorrência é meio. Os direitos é que são a finalidade. O fato a regular é simples: hoje, ao permitir a reutilização pelas operadoras de celulares roubados ou furtados, a Anatel coloca em risco o próprio direito de seu comunicador. A solução está em suas mãos. Será contribuição decisiva para a paz urbana.