Joaquim Barbosa
O Mutante Supremo
Artigo publicado no jornal O Globo em 01.07.2014 (Acesse aqui)
O problema de Joaquim Barbosa não é um problema de Joaquim Barbosa. É de todo e qualquer presidente do Supremo. Passados, presente, como Ricardo Lewandowski, e futuros. O mandato é de apenas dois anos. Muito curto. Não se tem tempo para nada.
Imaginem se o Brasil tivesse que eleger o presidente da República a cada dois anos. Que empresário investiria no país onde a política econômica pode mudar quase anualmente? Nossa vida seria corda bamba.
Cada novo presidente do Supremo pode mudar tudo. Todos os assessores e cargos de direção. Sua influência na condução da jurisprudência é efêmera. Supremo mutante e volátil. Gera politização e insegurança jurídica administrativa permanentes.
Basta um bom advogado jogar bem com prazos, e as chances de reverter pauta, alterar decisões e relatores é muito grande. Temos visto.
Não culpem os ministros. Culpem o formato institucional.
A única saída é cada presidente escolher um alvo, um tema. Somente um. Nelson Jobim optou por criar o Conselho Nacional de Justiça. Ganhou. Ellen Gracie optou por informatizar processos. Começou. Gilmar Mendes focou nas prisões. Ainda complicado. Ayres Britto decidiu apenas colocar o mensalão em pauta.
Joaquim Barbosa se deu a terminar o mensalão, condenar culpados, e lançar duas mensagens ao país.
Primeiro, que o Supremo demora, mas com obsessão política consegue decidir. Segundo, que corrupção, não. Improbidade administrativa, não. Lavagem de dinheiro, não. Poderosos podem ser punidos.
As desigualdades entre riqueza e pobreza, entre a raça negra e a branca podem ser superadas pelo Judiciário.
Fez isto bem. Em pouco, fez muito. E sai de cena.
Sairá?
As eleições e o novo ministro do Supremo
Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 29.06.2014 (Acesse aqui)
A partir de 2 de julho, a presidente Dilma Rousseff poderá indicar ao Senado um novo candidato para ministro do Supremo Tribunal Federal. Com o recesso, os senadores só deverão analisar o nome a partir de 1º de agosto.
O país estará em plena campanha eleitoral. Eleições para presidente, governador, senador e deputado. A indicação para o Supremo poderá ocorrer quando faltarem apenas 96 dias para a escolha presidencial. Estaremos no momento de politização máxima do poder máximo: a Presidência da República. Mesmo assim, a presidente indicará ainda este ano? Eleitolarizará a indicação?
A Constituição Federal não estabelece prazo mínimo ou máximo para a indicação ser feita. Os prazos da presidente variaram muito. Levou sete dias para indicar Teori Zavascki, aprovado pelo Senado em 37 dias. Levou 184 dias para indicar Luiz Fux, e o Senado o aprovou em nove dias. Levou 188 dias para indicar Luís Roberto Barroso, e o Senado aprovou a indicação em 13 dias.
O dever de indicar existe. Data para cumpri-lo, não. É uma opção discricionária da presidente. Qual seria o melhor momento político?
Em alguns países, como nos Estados Unidos, não é comum indicar um ministro ou presidente do Supremo em período próximo das eleições. O futuro ministro tem que simbolizar o máximo de imparcialidade e o mínimo de partidarização possível. Se esse princípio de cortesia entre a independência dos poderes for aqui respeitado, das três, uma.
Ou, a qualquer tempo, a presidente indica um nome acima de qualquer suspeita, que teria pelo menos implicitamente o apoio de Aécio Neves e Eduardo Campos — o que parece politicamente difícil, mas não impossível.
Ou, segundo cenário, ganhando as eleições, a presidente indica seu candidato ainda este ano, sem maiores contratempos.
Ou o terceiro cenário: perdendo, teria que agir com cautela. Correria o risco de seu candidato encontrar fortes resistências no Congresso, que já estará voltado para o novo presidente, Aécio Neves ou Eduardo Campos.
Reputação ilibada e notável saber jurídico são as exigências jurídicas constitucionais, mas não são politicamente suficientes. Que outros fatores deverão também ser levados em consideração por quem quer que venha a indicar o novo ministro?
Raça. Indicar um negro para a vaga do ministro Joaquim Barbosa pode dar a impressão de que se trata de uma política de afirmação do pluralismo racial judicial, que se transforma numa política de cotas.
Gênero. Nesse cenário, de busca de igualdades representativas da nação, é mais provável que seja indicada outra mulher. Os nomes de Maria Thereza Assis de Moura, do Superior Tribunal de Justiça, e de Sylvia Steiner, do Tribunal Penal Internacional, já foram mencionados anteriormente, e passam pelo crivo a nomes de densidade jurídica.
Religião. O último ministro representativamente católico foi Carlos Alberto Direito. Hoje temos dois, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, de origem judaica.
Consequências econômicas. Como o candidato vai julgar as questões que impliquem em fortes desembolsos para o Tesouro Nacional ou para o sistema bancário? Como no julgamento julgará as perdas da poupança geradas por planos econômicos, já adiado recentemente?
Pode-se também considerar região. Haverá uma intenção de aumentar uma representatividade regional? Hoje são três ministros de São Paulo, três do Rio de Janeiro, dois de Minas Gerais, um de Santa Catarina, um do Rio Grande do Sul e um de Mato Grosso. Ninguém do Norte nem do Nordeste.
Fidelidade política. Finalmente, deverá ser inevitavelmente considerado se a visão política do candidato guarda sintonia ou não com a do presidente que indicar e do Senado que aprovar.
Como disse a ministra Rosa Weber no julgamento de quarta-feira sobre a execução das penas do mensalão, não existe uma única verdade judicial. Ministro existe para escolher quais dos fatos e dos argumentos devem ser aplicados. Decidir é escolher entre alternativas excludentes. É nessa liberdade de escolha, ainda que limitada pelo texto constitucional, que mora o inevitável perigo: a política. Como o futuro ministro fará essa política?
Barbosa contra o marketing da cordialidade racial
Artigo publicado no site Brasil Post em 02.06.2014
O advogado Luiz Fernando Pacheco reagiu à notícia de que Barbosa estaria deixando o Supremo dizendo que seria “o fim de uma noite escura”.
Trata-se de analogia que muitos vão perceber como racista e desrespeitosa. O advogado foi entrevistado no exercício da profissão, como representante do ex-congressista José Genoino.
Desrespeitosa, não somente ao presidente do Supremo Tribunal Federal em pleno exercício de seu cargo, mas também ao primeiro negro presidente de um tribunal supremo nos países democráticos do Ocidente.
Desrespeitosa a um cidadão que, sem ser candidato, nem ter vinculação com partidos políticos, teria espontaneamente por volta de 20% das intenções de votos dos brasileiros. Fato inédito na política brasileira.
Paradoxalmente, o advogado parece confirmar e dar razão a Joaquim Barbosa. “É falta de honestidade intelectual dizer que o Brasil já se livrou destas marcas (o racismo)”, afirmara Barbosa recentemente em entrevista a Roberto D’Avila na Rede Globo.
Aumentar a pluralidade racial e cultural nos supremos tribunais não é desafio somente no Brasil. Estados Unidos e Israel, para ficarmos em apenas dois países, têm desafio igual.
Se o presidente Lula indicou Barbosa, no contexto de uma política de ação afirmativa para o Supremo – onde estão mulheres, judeus, católicos e outros brasileiros de origens diversas -, Barbosa sempre se recusou a ser apenas cota.
No famoso julgamento sobre a constitucionalidade da lei de cotas para o acesso ao ensino universitário, acompanhou o voto do Ministro Ricardo Lewandowski. O resultado foi unânime. A questão de cotas lhe parecia bem consolidada. O desafio seria maior. Denunciar uma discriminação culturalmente difusa.
Quando Lula o convidou na comitiva presidencial à África, o que nunca antes fizera com um presidente do Supremo, Barbosa recusou, pois não queria participar de uma estratégia de marketing da cordialidade racial.
Se a cor da pele ainda é uma barreira para milhões de brasileiros, esta barreira parece que começa a ser posta abaixo. Barbosa é sinalizador. Sempre enfatizou o quão importante é para qualquer um, de qualquer raça, conquistar e aproveitar as oportunidades que a vida lhes coloca.
Investiu numa educação séria. Formou-se no Brasil e na Sorbonne, na França. Evitou, como disse, cursinhos domésticos. Tão em moda hoje em dia. Educação como via privilegiada da ascensão social.
O Brasil parece tentar hoje caminhos próprios para combater as discriminações. Ao mesmo tempo, tem uma mulher de descendência branca europeia na presidência da república e um negro de descendência africana na presidência do Supremo. Conjugação inédita nos países do Ocidente.
Ambos tendo percorrido caminhos diferenciados. Ambos agarrando e criando oportunidades. Ambos fortemente influenciando um imaginário popular em favor de mudança cultural. Anti-discriminatória. Tarefa maior. Mudar uma lei é mais fácil do que mudar uma cultura.
Estratégia no mensalão e denúncia de racismo marcam atuação de Barbosa
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo em 30.05.2014 (Acesse aqui)
A presidência de Joaquim Barbosa foi marcada por três questões principais: sua estratégia no mensalão, sua denúncia do racismo e sua maneira de conduzir o tribunal.
Raymundo Faoro dizia que estratégia não é apenas usar com eficiência os meios de que se dispõe para atingir os fins que se persegue. É também usar seus meios para impedir que os adversários atinjam fins opostos.
Sua estratégia jurídica no mensalão a todos espantou. Como toda boa estratégia, que nunca se anuncia, só ficou evidente depois. Manteve o julgamento no Supremo. Dividiu os acusados em grupos. Pareceu conhecer as 60 mil páginas melhor do que seus colegas. Capitalizou essa vantagem. Inovou nas doutrinas. Opôs a visão do todo, aos advogados de cada réu. Focou no colocar na prisão, dispensou as condenações sem pena. Evitou prescrições. Venceu.
Não foram poucos os que, antes de ele ser presidente, diziam que o ministro não gostava de trabalhar, que não estava preparado para o cargo e que não conhecia direito. Diriam hoje?
Denunciou como falta de honestidade intelectual os que acreditam que o Brasil não é racista. Se Lula o escolheu pelo regime de cotas, ele optou por não ser cota. Quando Lula o convidou para ir à África na comitiva presidencial, o que nunca antes fizera com nenhum presidente do Supremo, recusou o convite. Não se prestaria a marketing racial global.
Conduziu o Supremo com mão de ferro e obsessão casmurra. Na vida pública, é seco. Não se comunica por adjetivos, mas por atitudes.
Diálogo não houve com as associações de classe dos magistrados. Contrariou colegas. Muito agiu unilateralmente. Por detrás dessas atitudes estaria a convicção de que a cordialidade do brasileiro é uma tática de conciliação dos poderosos. Não é homem de diplomacia e negociações. Evidenciou.
Algumas vezes, o cargo é maior do que a personalidade de quem o ocupa. Outras, a personalidade é maior do que o cargo. E em Joaquim Barbosa? Saiu do Supremo e entrou para a história?