Artigo publicado no Jornal O Globo, em 17.04.2015 (Acesse aqui)

Na democracia, se eleitores estão descontentes com o governo, mudam. Ganhando novas eleições. Se são congressistas os descontentes, depende. No parlamentarismo, propõe-se voto de desconfiança. Se ganham, mudam o governo. Não é nosso caso. No presidencialismo, pede-se impeachment.

Propor impeachment qualquer um pode. Mas não se deve confundir liberdade de propor com legalidade e legitimidade do que se está propondo. Contra Fernando Henrique propuseram 14, alegando, inclusive compra de votos

Contra Lula foram 34, alegando por exemplo ter mandado funcionário do BNDES guardar sigilo sobre corrupção no banco.

Contra Dilma já propuseram 17, alegando até desrespeito à “doutrina cristã que produziu a civilização brasileira”. Todos recusados.

Voto de desconfiança no parlamentarismo derruba governo. O impeachment no presidencialismo derruba pessoa. O que está em jogo não é o sucesso ou insucesso de seu governo. É se o Congresso considera que um inadequado ato individual é mais importante do que os votos que o presidente recebeu. É mortal ataque pessoal.

Por isto a lei do impeachment é juridicamente específica. O Congresso tem toda liberdade para julgar o impeachment desde que esteja convicto de que houve, por exemplo, expedição de ordens contrárias à Constituição; uso de violência ou ameaça contra funcionário público para agir ilegalmente, ou outro caso que se enquadre na lei. Quem alegar teria que demonstrar a hipótese.

Há também uma cláusula mais abrangente. Cabe impeachment se o presidente “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.”

Até o momento, há um parecer do TCU levantando a possibilidade de crime de responsabilidade fiscal. Violação que deve ser investigada pelo Ministério e Público e eventualmente o Supremo. Mas o TCU não é órgão de acusação. Nem mencionou Dilma.

Falar em impeachment agora é pular etapas. Possíveis envolvidos nem mesmo exerceram direito de defesa. Dá ao TCU poder que não tem.

Por enquanto não há questão jurídica real. Há apenas tentativa de mobilização política e de pautar o debate público. O próprio Aécio Neves diz que só avança se tiver fatos comprovados de crime. E ser crime não é questão de opinião. Nem mesmo do Congresso. É decisão do Supremo. Não pode ser falta de decoro alegando-se crime, se não houve crime de responsabilidade fiscal. Cabe ao Congresso a palavra final sobre impeachment. Mas tem que ser coerente com a lei.

Impeachment é para salvar a honra da democracia. Não para derrubar políticas de governo. Há que se ter muita convicção e comprovação de que é a única e última solução.