O acesso dos brasileiros à propriedade, lar e moradia precisa entrar no debate eleitoral. Hoje concentrado em imaginar múltiplas bolsas para enfrentar a fome. E auxílios, perdão de dívidas, reconcessão de créditos impagáveis para enfrentar iliquidez permanente dos mais pobres.

Estas propostas tratam apenas dos sintomas. Não curam a doença estrutural. São analgésicos, que se tomam de 4 em 4 anos. Se a inflação não baixar e se for perder a eleição, aumenta-se a dose: de quatro em quatro meses. Baixa a indignação, mas não reduz a desigualdade.

A insegurança e incerteza dos que não têm lar é diária. É sofrência econômica.

Milhões de brasileiros não vivem no Brasil. Apenas “estão” no chão do Brasil, diria Washington Fajardo, urbanista-mor. Rastejam pelos viadutos. Não vivem, sobrevivem. Subvivem.

Com base em censo recente, a revista Piauí informa que a população paulistana de rua é maior do que a população de 80% das cidades brasileiras!

Mas são eleitores.

Nossas metrópoles se expandiram, segundo Fajardo, através da periferização. Horizontal, como na maioria das metrópoles. Vertical, pelos morros e áreas ambientais de risco, como Rio de Janeiro e São Paulo.

Periferização é franja urbana onde acaba o legal e começa o ilegal. Acaba água, começa poço, bica ou lata. Acaba esgoto, começa doença. Gato é assinatura. Onde acaba lei, começa milícia. Acaba respeito, começa medo. Onde não se expande, nem começa o Estado democrático de direito.

Onde, diria a moçambicana Paulina Chiziane, Prêmio Camões de Literatura: “Vim do lugar nenhum”.

Que novas soluções surjam da mobilização e do plural debate eleitoral. Direito à moradia e dignidade humana, diria Luís Roberto Barroso.

André Lara Rezende apontou eventual responsabilidade da macroeconomia convencional na inviabilização de soluções permanentes para a desigualdade. Surge quando se une o obsessivo cortar do déficit público à livre expansão do crédito privado. Vejam o que então acontece.

Ao diminuir o déficit público, o governo em geral começa cortando recursos na educação, saúde, habitação, cultura e ciência. Alega que não são despesas com “infraestrutura”. Quem disse? Infraestrutura é apenas efêmera convenção. Não é conceito científico. É preciso mudar.

A política do patrimônio histórico na ditadura Vargas de 37 só considerava patrimônio brasileiro o que fosse de “pedra e cal”. Hoje, só se considera infraestrutura o “concreto armado”. Felizmente, a Constituição de 88 já libertou o patrimônio cultural do monopólio ideológico de “pedra e cal”.

O setor privado, ao expandir o crédito, não empresta a quem não dá garantias. A quem não tem ativos. É lógico. Não são loucos. Não são casas de misericórdia. São bancos.

Temos milhões de desempregados, invisíveis, informais, desalentados, sem carteira, nem-nem. Como vão conseguir dinheiro para comprar chão e cimento? Para a autoconstrução? Qual construtora arrisca-se no mercado que inexiste?

Política macroeconômica é indispensável. Mas ela é meio. Não é fim. Fim são os valores e necessidades minimamente igualitários da sociedade.

A política convencional se auto justitifica como necessária para consertar e preparar a economia para crescimento. Preparar não é fazer. Tem etapas sequenciais.

(a) Primeiro reduzir o déficit público; (b) equilibrar o orçamento; (c) controlar a inflação; (d) atrair investidores; (e) planejar e criar empresas; (f) gerar empregos; (g) pagar salários; (h) aumentar salários; (i) aumentar o consumo; (j) surgir a poupança ; (k) investir em casas, bens de longo prazo. Pronto. Esgotou o tempo.

Mudou ministro, governo, vida, tecnologia, conceitos. A desconexão entre os prazos da política econômica convencional e os prazos da vida real tem sido desafio não ultrapassável.

Pode a maioria dos eleitores esperar tanto? Sem antes se indignar e se entregar à aventura eleitoral, que lhe bate à porta?

A política econômica convencional, alerta André Lara, financeirizou o mundo. Tudo, todos fomos reduzidos a moedas sem lastros. A elite se mede em dólar, créditos e riqueza. O povo em reais, dívidas e pobreza. Pior, a corrupção é apenas disfunção competitiva de um Estado-mercado globalizado.

O debate eleitoral será capaz de combinar a urgência da sobrevivência de curto prazo, com a governabilidade democrática de longo prazo? Escaparemos da armadilha? Concentração do poder da renda versus desconcentração do poder de voto?