Em ‘live’ do Valor, o fundador da Escola de direito da Fundação Getulio Vargas do Rio, Joaquim Falcão, disse que se deve liberar as “fake news” e puni-las depois

A disputa interna que fragmenta o Ministério Público Federal (MPF) sob a gestão do procurador-geral da República, Augusto Aras, reflete uma ação deliberada do governo Jair Bolsonaro que busca neutralizar diversos órgãos de controle da República, como o Ministério Público e a Polícia Federal (PF). Foi o que Joaquim Falcão, fundador da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas e ex-integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), afirmou ao ser entrevistado na “live” do Valor.

“O problema maior que simboliza essa disputa é a tentativa de controle, de neutralização dos órgãos de controle e aí não é somente o MPF, Polícia Federal, diversos órgãos de controle, o próprio Supremo Tribunal Federal. É nesse contexto que se situa essa briga do Aras com procuradores”, afirmou.

Segundo Falcão, a tentativa de controle se configura em uma série de estratégias: “A primeira Bolsonaro botou em uso logo no primeiro dia ao dizer ‘quem escolhe o chefe [do MPF] sou eu’. Vai se estender na escolha dos membros do Supremo como aconteceu na briga para a chefia da Polícia Federal. Essas coisas não estão separadas, é uma estratégia clara de evitar que os órgãos de controle exerçam suas funções”, afirmou.

Na avaliação de Falcão, a tática de Bolsonaro para controlar as instituições passa pela estratégia de lidar com as ambições pessoais dos ocupantes de cargos subordinados ao Executivo. “Se você quiser controlar o presente de uma pessoa, controle o seu futuro, ou seja, controle a sua ambição. Isso Bolsonaro está fazendo bem”, disse.

“Aí você tem a ambição do [ministro do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de] Noronha, você tem a ambição do André Mendonça [Justiça], você tem a ambição do Aras. Agora, interessante porque é como se você tivesse de pagar antes a indicação”,

afirmou Falcão, se referindo aos nomes cotados para preencher a vaga que será aberta com a aposentadoria do decano, Celso de Mello, em novembro.

Para o jurista, não é possível evitar eventuais barganhas no processo de nomeação ao STF por meio da imposição de leis ou dispositivos normativos. Falcão citou a atual regra para plantões nos tribunais superiores como exemplo de mudança que ele acredita que deveria ocorrer no Judiciário.

“Esse juiz, ou membro do Supremo, pode, em casos de extrema urgência, dar uma decisão dele, e não do relator, do juiz natural neste período de um mês. O ministro fica dono absoluto da Justiça e às vezes o período de um mês basta. Ou seja, você está obrigado, como disse o ministro Dias Toffoli, a entregar os dados [das forças- tarefa da Lava-Jato em quatro Estados]. Mesmo que o ministro Edson Fachin agora reverta a decisão do Toffoli, o dano está feito”, afirmou.

Falcão lembrou que foi por intermédio do “poder discricionário do plantonismo” que o ministro Noronha retirou Fabrício Queiroz do caráter preventivo de prisão. “Quem estabelece o que pode ser decidido no plantão é o regimento das Cortes. Mas isso foi pensado para situações de habeas corpus, quando se tem uma situação de urgência que pode causar um dano irreparável ao réu. Alargaram a discricionariedade, o ministro alarga, e somente será revista decorrido um mês. Neste tempo o país fica à mercê de uma decisão quase absolutista”.

Falcão afirma que o atual processo interno de decisão dos ministros do STF cria instabilidade no país. Segundo o jurista, há dois tipos de ministros: “Há os institucionais e há os conjunturais. Os primeiros não negociam com ninguém, com Judiciário, nem com as partes, nem o Executivo ou o Congresso. O institucional não vai dar sua opinião sobre processos, o que é proibido pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Exemplo, Rosa Weber e Celso de Mello. Mas há outros ministros que querem aparecer na mídia o tempo todo, que se encontram com o presidente no Palácio em hora conhecida e em hora desconhecida. A Loman proíbe o ministro de conjuntura”.

Falcão também criticou a gestão do atual presidente do STF, Dias Toffoli, pelo fato de o ministro ter defendido a costura de um pacto entre Poderes e sociedade. “Isso extrapola o limite da competência de um presidente do Supremo. Ele não está aí para fazer pacto, mas para dizer o que é constitucional ou não”, afirmou. “Imagine a

insegurança que isso trouxe, sem que os investidores e as pessoas soubessem para onde iria esse pacto”.

O jurista vê responsabilidade de Bolsonaro na atual situação em que se fazem ataques ao Supremo e compara os atos do presidente aos de um chefe absolutista. “Toffoli teve, antes da gente, conhecimento de ataques ao Supremo. Nesse sentido, quis defender o Judiciário”, afirmou. Falcão disse também que as decisões recentes do ministro Alexandre de Moraes, que suspendeu contas nas redes sociais de blogs acusados de propagar “fake news”, seguem tendência mundial: “Prefiro que libere antes e puna depois, sou radical a favor da liberdade de expressão, inclusive das ‘fake news’, porque é um aprendizado longo das plataformas e também dos leitores”.

Publicado no Valor Econômico do dia 04 de agosto de 2020.