Publicado originalmente na Folha de S. Paulo no dia 18 de julho de 2002.

Em poucos meses, dois atentados a líderes políticos na Europa: o assassinato de Pim Fortuyn, líder do partido Lijst Fortuyn, na Holanda, e o atentado ao presidente Chirac, na França. Em ambos, motivações de extrema direita.

A principal bandeira da extrema direita é a guerra ao imigrante. O que está em jogo, porém, é mais grave e fundamental. Está em jogo a regra da maioria, como regra que estrutura a cidadania, a democracia, a sociedade enfim. É fácil perceber. Os indicadores demográficos são cada dia mais evidentes.

Em uma década, as principais cidades da Holanda, Amsterdã, Roterdã e Utrecht, terão maioria de imigrantes como habitantes. Antes disso, algumas cidades inglesas já terão maioria de moradores imigrantes. Cerca de 70% das escolas em Nova York são frequentadas por alunos oriundos de lares latinos. Ou seja, em pouco tempo os latinos transformam Nova York em Miami, onde o espanhol já domina e o eleitorado latino é determinante. Capaz de eleger o presidente dos Estados Unidos, como vimos.

Nos Estados de fronteira com o México, Califórnia sobretudo, a imigração e a correlata tomada do poder pelos imigrantes avança celeremente. A manter a regra da maioria, em menos de 40 anos a democracia vai transferir o poder dos brancos europeus e dos brancos norte-americanos para os novos eleitores: negros, amarelos e mestiços.

Evitar esse futuro provável é o objetivo comum dos principais partidos políticos do Primeiro Mundo. A partir daí, abrem-se dois caminhos. O da extrema direita é a pregação neonazista, a violência, a exclusão “tout court”. O dos demais partidos é inventar mecanismos, criar novas leis _que ora restringem a cidadania, ora impõem a imigração seletiva e controlada. É o que tentam a Espanha, a Itália e a própria Comunidade Européia, sem consenso ainda.

Indo contra outro princípio da democracia contemporânea, lema da independência dos próprios Estados Unidos – “no taxation without representation” (sem representação política, não pode haver tributação) -, em alguns países os imigrantes moram, trabalham, pagam impostos, mas não têm direito ao voto. São cidadãos de segunda classe. Cidadãos contribuintes sem liberdade política, direito humano fundamental. Iguais nas obrigações, mas não nos direitos. Tudo para evitar a provável maioria eleitoral.

Obrigam, por exemplo, o cidadão a morar nove meses trabalhando e pagando imposto no país e o expulsam temporariamente por três meses, para que não fique caracterizada a cidadania. O receituário da exclusão é cada dia maior e mais falsamente democrático. Novas leis tentam usar a democracia de hoje contra a democracia de amanhã.
Os argumentos que pretendem legitimar, em nível eleitoral, a política de exclusão são, em geral, dois. Primeiro, reduzem os imigrantes a meros refugiados políticos. Segundo, acusam-nos de não quererem se integrar no novo país. Duas meias-verdades. O percentual de refugiados políticos é importante, mas insignificante. E, se os imigrantes não se integram, os brancos não os querem assimilar também.

Os atentados e a ascensão da extrema direita vão provavelmente crescer, porque os líderes políticos democráticos não dizem a verdade aos seus eleitores. A verdade é que a economia européia e a norte-americana não sobrevivem sem o trabalho dos imigrantes. Receber imigrantes não é apenas causa humanitária ou caridade política. É necessidade econômica. Sem eles, as grandes cidades européias e norte-americanas param. Sem eles, os brancos vão ganhar um terço do que ganham fazendo o trabalho que não querem. Suas economias hoje são dependentes da imigração.

Donde, das duas uma: ou as lideranças européias e norte-americanas começam a falar a verdade a seus eleitores e, a partir daí, constróem novas soluções, ou a direita avança, destrói a regra da maioria quando no poder e, com ela, a democracia.

Quem quer que ganhe nossas eleições tem que estar preparado para enfrentar essa questão. O Brasil tem o que dizer. Sua posição terá peso estratégico no cenário mundial. Em matéria de imigração e democracia, o Primeiro Mundo parece ser aqui.