Artigo publicado no Jornal Correio Braziliense, em 05.06.2016 (Acesse aqui)

Pode um site no Brasil vender, via internet, produto que aqui não pode ser vendido e que aqui não pode ser fabricado?

Esta é questão básica. Muitos sites que comercializam cigarros eletrônicos, que contêm substâncias como nicotina, estão tendo que enfrentar.

Em 2009, por meio da Resolução 46, a Anvisa proibiu a comercialização de cigarros eletrônicos. A venda de fluidos contendo nicotina, bem como dos aparelhos destinados à sua vaporização, por motivos óbvios foi proibida no Brasil. A nicotina favorece a proliferação de células cancerígenas.

É certo que tais vaporizadores para o fumo eletrônico podem ser usados com diversos tipos de fluidos. Com nicotina ou sem, em diversas concentrações. Com uma diversidade de sabores adicionais. O que nos interessa aqui é, justamente, quando são utilizados com essa substância cancerígena.

A proibição determinada pela Anvisa se justificaria diante do princípio da precaução e da “inexistência de dados científicos que comprovem a eficiência, a eficácia e a segurança no uso e manuseio de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarro eletrônico”. Ou seja, é medida preventiva em favor da saúde do brasileiro.

Pois bem, no Brasil, que tem mais de 25 milhões de fumantes – 14% da população -, recentemente começou a florescer um comércio eletrônico onde se pode adquirir estes cigarros via internet. O que pode ser constatado acessando-se qualquer site de comércio eletrônico. Basta buscar no Google as palavras “cigarro” e “eletrônico” que pelo menos algumas dezenas de sites comercializando esse produto surgirão.

Este  comércio funciona, em princípio, assim: o site de alguma maneira adquire os produtos no exterior, e depois revende no Brasil. São duas operações, portanto. Do site, o importador, com o fabricante estrangeiro. E depois, do site com o consumidor brasileiro.

Ora, esta relação entre o site e quem fornece ao site corre o grande risco de ser caracterizar o crime de contrabando. É  importação ilegal de mercadoria proibida no Brasil. O site teria que comprovar a origem legal do produto que vende ilegalmente. Difícil.

A questão central, no entanto, não é fiscalizar lojas, ou fazer queima em praça pública das mercadorias apreendidas. Esta estratégia não funciona. A pirataria de cds e dvds está acabando não devido à repressão policial. Mas a seu principal responsável: o atraso tecnológico da indústria fonográfica que estimula a pirataria. No fundo, o Brasil financiava pela repressão, o atraso da indústria fonográfica não competitiva. O problema aqui é outro. E são dois.

Primeiro, a questão do e-commerce de produtos ilegais por interesse público, por interesse da saúde pública. A questão não é o camelô de ontem, mas o destino do e-commerce de hoje.

Um site que vende maconha é permitido? Um site que vende cocaína é permitido? Um site que vende fotos de pornografia infantil é permitido? É óbvio que são situações diferentes, de gravidades e intensidades distintas. Mas a ilegalidade é a mesma, bem como os órgãos de fiscalização.

Dois organismos do governo federal são responsáveis por controlar e investigar esta situação.

A Anvisa, por sua competência de fiscalização e monitoramento em matéria de saúde pública.

A polícia federal, que tem apreendido principalmente em Foz do Iguaçu estes cigarros eletrônicos, por ter como atribuição investigar o crime de contrabando.

No ponto de vista internacional, a Organização Mundial de Saúde ainda está estudando os possíveis efeitos do cigarro eletrônico. Preparou um relatório apontando para uma série de opções regulatórias, que indica um cenário extremamente complexo, no qual o controle é necessário. Vai contra sua liberação indiscriminada.

Nos Estados Unidos essa nova modalidade de fumo começa a ser regulada nas esferas federal e estadual.

O que importa, enquanto o Estado brasileiro não estabelece políticas nesse sentido, é saber como os cigarros eletrônicos e fluidos com nicotina chegam aqui, e são vendidos livremente nesses sites.

Todo cuidado é pouco, sobretudo nesta semana quando se comemora o Dia Mundial sem Tabaco