pode se candidatar a trainee no Magazine Luiza. Magalu. Belo salário de R$ 6.600,00. Em São Paulo. Com direito a academia, práticas esportivas, curso de línguas, frutas no escritório e tudo mais. O que não é pouco. É muitíssimo. Sobretudo para jovem que começa carreira.

Muitos criticaram este pioneirismo empresarial da maior empresária do Brasil, Luiza Trajano. Mulher a dar exemplo a todos. Acreditam ser discriminatório contra candidatos de outras raças. O que seria proibido pela Constituição. Sistema de quotas reverso.

Em um de seus últimos discursos, Barack Obama alertou que, no futuro, a maioria dos trabalhadores americanos não será de brancos. Não será de white americans. Não pertencerá ao supremacismo branco.

Será dos que aqui denominaríamos pardos. Ou como defendeu Jorge Amado na Comissão de Estudos Constitucionais pré-constituinte: não seremos multirraciais apenas. Seremos, também, como somos, mestiços. Inter-raciais.

O programa de trainee não é inconstitucional, como alega o defensor público Jovino Bento Junior. Esta intepretação já obteve resposta digna de 11 defensores contrários.

Mais ainda. O programa lança luz numa característica que nos retarda.

Ações judiciais igualitárias que digam respeito ao ius imperium, como financiamento eleitoral, comportam decisiva atuação do Estado. Mas o ius societas, a livre iniciativa, não pode estar se satisfazendo apenas com legislação.

Culpamos e responsabilizamos o Estado, o governo por tudo. O tempo todo. Quase tudo. Como ele é o problema, nos habituamos a exigir apenas dele soluções. Não se vive sem soluções estatais.

Diante de um problema social, não lavamos mais as mãos, como Pôncio Pilatos, numa bacia. Lavamos com álcool gel. E chamamos a polícia, a lei ou o subsídio.

Não se pode ainda, diria Nelson Rodrigues, comprar um Chicabon sem saborear o Estado.

Nós somos o problema, mas o culpado é ele. Isto é quase um vício genético. Histórico. Das capitanias.

Magalu vai em outra direção. Uma política pública de igualdade e diversidade racial do trabalho pode e deve vir voluntariamente da empresa, da sociedade. Faz bem a todos.

Para a imensa maioria das profissões, trabalhar se aprende só na escola. Na empresa. No mercado. Na prática. No dia a dia.

Ninguém nasce CEO. Nem branco, nem negro, nem pardo, nem mestiço. Ninguém.

Nos anos sessenta, Harvard constatou que seu sistema de admissão resultava em forte desequilíbrio racial. Assumiu iniciativa e reponsabilidade. Desenhou sua própria política interna de equalização e diversidade racial. Funcionou.

Provocou também tentativa malsucedida do sistema de quotas reverso. Alguns queriam limitar a multidão de asiáticos que, por mérito, invadiam com sucesso os vestibulares.

O programa Magalu, antes de tudo, é educacional. Viabiliza, além do exercício da cidadania, a qualificação para o trabalho. Ensina a trabalhar.

No artigo 1º, IV, da nossa Constituição, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa andam juntos. Não são incompatíveis.

O programa, além de não depender do Estado, lança luz em outro valor que está nos faltando: a boa fé. A crença coletiva na verdade.

É preciso que o candidato, jovem, de boa fé, se autodeclare negro. Exige a reponsabilidade cidadã do candidato. Dificulta o levar vantagem. Como já ocorreu no sistema estatal de quotas.

Responsabilidades privadas juntas, individuais ou coletivas, fazem boas e eficientes políticas públicas não estatais.

Nascem da junção do interesse empresarial com um genuíno sentimento civilizatório. Estamos em momento essencial.

O sentimento, a emoção, o conteúdo do agir, contam tanto quanto a razão, a estatística e a forma.

Haja vista a crescente influência da psicologia na teoria econômica, de muitos ganhadores dos Prêmios Nobel. É a emoção, o novo mistério econômico, quem ajuda a determinar os componentes da demanda. O que estimula empresas e desenvolvimento. “Fi-lo porque qui-lo” não mais explica os números.

A Lei Afonso Arinos, fundamentando-se na iniciativa e coerção do Estado, foi pioneira. Mas agora precisamos ir mais além. Inventar a iniciativa social e a emoção solidária. Fará bem ao direito, à economia e à psicopolítica, como diria Byung-Chul Han.

Publicado no portal Jota.info no dia 13 de outubro de 2020.

Link: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/magazine-luiza-programa-de-trainee-e-constitucional-13102020