Dias Toffoli extrapola com sua pretensão a ativismo judicial presidencial

O ministro e presidente do STF, Dias Toffoli assinou em nome do Supremo, com o Poder Executivo e o Tribunal de Contas da União, acordo interinstitucional. Regulamenta a gestão e coordenação dos acordos de leniência. Aqueles que as empresas processadas fazem com o Ministério Público e outros órgãos do Executivo para diminuir eventuais penalidades por atos de corrupção.

O acordo desmerece a participação do Ministério Público nas negociações. Os procuradores protestam. O procurador-geral da República, Augusto Aras, hesita em assinar.

Pode o ministro Dias Toffoli comprometer-se em nome do Supremo? Lógico que não.

Se amanhã algum órgão ou associação, o que certamente acontecerá, entrar no Supremo contra essa regulamentação, os ministros vão ter que votar como Toffolli se comprometeu? Claro que não. Vão votar de acordo com seu livre convencimento.

O presidente Toffoli, qualquer presidente, gere o Supremo administrativamente. Mas não manda; orienta, compromete-se, sugere — nem define interpretações prevalecentes, não pode exigir votos dos demais ministros. Extrapolou.

Seria inconstitucional se fosse exequível. Não é. Trata-se de simples pretensão a ativismo judicial presidencial. Usou o santo nome do Supremo em vão. Revela inclusive, de antemão, seu provável voto. É parcial por antecipação. Ofende o devido processo legal.

A competência constitucional da Suprema Corte é apenas uma: quando provocada, dizer se a conduta questionada, de quem quer que seja, é constitucional ou não. Ponto. Já é poder suficiente.

Da mesma maneira, nem o Supremo, seu presidente ou ministro individual têm competência para promover mediação, negociação ou estratégias conjuntas com o Executivo e se comprometer com seu resultado.

Muito menos podem participar de comissões legislativas para assessorar o Congresso na feitura das leis e assegurar que determinadas interpretações valerão.

O chamado ativismo do Supremo não é mais em casos individuais —o que foi tão de agrado de alguns criminalistas. Agora, trata-se de neutralizar as instituições de controle da legalidade. Neutralizar o Ministério Público, por exemplo. Antes, isso se fazia nomeando um aliado para chefiar os órgãos de controle. Fosse a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal ou mesmo o ministro da Justiça. Agora não mais.

Que força tem nomear um general sem tropa? Que força tem um procurador- geral da República com milhares de procuradores protestando em todo o país? Serão obrigados a cumprir o acordo de Toffoli à força?

Que força tem o diretor da Polícia Federal, mesmo sendo um superior hierárquico, se não tem a confiança dos delegados?

Que força tem o presidente do Supremo, se não manda no voto dos ministros? Que força tem um chefe sem sua corporação?

Que força tem um mestre de obras sem pedreiros e marceneiros?

Publicado no jornal Folha de São Paulo, em 16 de agosto de 2020, às 23h15.