Está em curso um leilão para a próxima vaga no Supremo. Mas a moeda não é dinheiro. É a vaidade do poder.

Esse leilão é um jogo de duas regras. O candidato com maior ambição, ganha. Mas, ao mesmo tempo, precisa aceitar a humilhação de si próprio e da instituição a que representa.

O presidente Bolsonaro é um exímio manipulador desse jogo entre ambição e humilhação. Na verdade, é seu estilo de governar. Alguns ficam na mesa de jogo até o fim. Outros saem antes.

Mas quem são os personagens do jogo de Bolsonaro? Alguns exemplos.

A ambição do ministro Paulo Guedes era controlar os gastos públicos, promover privatizações e criar novos empregos no mercado. Não consegue.

O presidente Bolsonaro, ao revés, parece preferir mais obras públicas e mais auxílio emergencial pelo Estado. Guedes fica no dilema.

Se for embora, é pior. Vai, então, indo contra si próprio. Começa processo de humilhação prorrogável.

A ambição do ministro Moro era lutar contra a corrupção. Aguentou o que pôde. Quando houve o episódio da intervenção na Polícia Federal, a humilhação ultrapassou a ambição. Pediu as contas. Foi embora.

A ambição do ministro Mandetta era salvar vidas. Quando a obediência hierárquica o obrigou a renegar a ciência, a humilhação ultrapassou o objetivo de enfrentar a pandemia. Foi embora.

Hoje, no leilão do Supremo, o mais ativo parece ser o procurador-geral Augusto Aras. Obedece ao presidente para realizar um sonho do Centrão: afastar o procurador Deltan Dallagnol das investigações de Lava Jato. Joga alto.

O preço de sua individual obediência pode destruir a ambição constitucional do Conselho Nacional do Ministério Público de ser independente. Assim como a da classe de promotores e procuradores. Humilharia muitos.

Já transformou o Ministério Público da Constituição Democrática de 1988 em seu oposto. Em vez de defensor da sociedade civil, a PGR voltou a ser o leão de chácara da Constituição de 1967. A Constituição da ditadura. Gate keeper, para quem se lembra.

Parecem efêmeros os esforços dos constituintes, especialmente os do ministro Pertence, de transformar o Ministério Público em instituição democrática. Voltou a ser a portaria do Supremo.

Aras não foi indicado por seus pares. Nem se mostra disposto a combater firmemente a corrupção. Foi nomeado pela vontade solitária do presidente, a quem representa.

Acelera processos quando convém. Adia quando convém.

Incrível como a Constituição e sua interpretação, sem mudar palavra ou vírgula, pode, na prática diária, ser e não ser ao mesmo tempo!

Para ganhar o leilão, o procurador-geral tem pressa em remover Dallagnol de Curitiba. Mesmo agora, quando o CNMP está incompleto. Sem quórum digno e legítimo. Um verdadeiro oportunismo processual.  

A ambição privada por eventual vaga no Supremo pode estilhaçar o MP. Torná-lo dependente de prazos manipuláveis e firulas processuais. Ofende o devido processo legal.

Cabe ao ministro Celso de Mello romper com este leilão. Mello vem sendo o protagonista na defesa das instituições democráticas, ameaçadas por este espúrio jogo de poder. Sempre com coragem e destemor.

Será ele outra vez?

Publicado no jornal Jota.info, em 17 de agosto de 2020.