A atividade do Supremo Tribunal Federal tem se caracterizado por uma ação menos fragmentada de seus ministros do que se costuma observar – fato que já levou a críticas sobre um excesso de decisões monocráticas no STF. Essa tendência pode prenunciar uma mudança?

A fragmentação do Supremo está menor neste período. Menor por uma série de razões.

A primeira é de defesa institucional, uma autodefesa diante dos ataques não somente do presidente e de sua família, como de vários segmentos da sociedade.

O segundo fator, que tem sido apontado pelo professor da FGV Direito-Rio Thomaz Pereira, é que o Supremo está reafirmando uma posição que tem tido, na maioria das vezes, a favor da governabilidade. No caso em que reconhece a competência concorrente dos governadores e dos municípios para decidirem sobre as políticas públicas de saúde no enfrentamento da pandemia da Covid-19, por exemplo, o Supremo não está contra a Presidência da República; está apenas reafirmando a necessidade de coordenação para que haja governabilidade.

Quando o Supremo recusa a pretensão de que não exista transparência total nos atos do Poder Executivo, ele, outra vez, reafirma seu compromisso com a governabilidade democrática.

Um terceiro fator que tem impulsionado uma maior união, também ressaltado pelo professor Pereira, é o fato de, em função da crise sanitária, estar se usando mais o plenário virtual, onde a tendência é de mais votos convergentes, mesmo por unanimidade. Essa tendência do plenário virtual estimular a convergência está ocorrendo também nas comissões do Legislativo. Seria um bom tema de estudos, para levantar quais motivos levam o voto eletrônico a tal resultado.

E tem um quarto motivo, que é o fato de o Supremo sempre ter uma defesa clara dos direitos individuais.

É difícil saber se essa tendência vai continuar ou não passado o atual período. Provavelmente, alguns elementos que estimulavam a fragmentação, como a radicalização política, a simples defesa de teses jurídicas e os votos monocráticos, é possível que essas tendências sejam amortizadas.

Como o senhor avalia a participação de ministros do STF em mídias sociais como o twitter?

Um levantamento realizado pela consultoria Bites – Dados para Decisões – mostra que o Brasil se destaca em se tratando de juízes de cortes supremas com exposição em redes sociais, com os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso se tornando magistrados de maior número de seguidores dessas instituições em nível mundial.

Nos Estados Unidos, por exemplo, os membros do Supremo não se expõem nas redes. Na Inglaterra, a Suprema Corte tinha cerca de 266 mil seguidores até o final de maio; a da Alemanha, 38 mil e, do Canadá, 32 mil.

Manoel Fernandes, diretor da Bites, considera que nesses países essa participação não é necessária porque a população defende a corte, mesmo que discorde de algumas de suas medidas.

No início de junho, o Supremo brasileiro tinha cerca de 2,1 milhões de seguidores e, somente o ministro Gilmar Mendes, 297 mil. Em apenas um mês, marcado pela ordem de mandados de busca e apreensão contra bolsonaristas, o ministro Alexandre de Moraes conquistou 85 mil novos seguidores, somando 153 mil no início de junho.

Mas isso não quer dizer, necessariamente, que os ministros estejam falando mais na mídia. O ministro Alexandre de Moraes é um exemplo. Suas postagens são institucionais, e ele tem falado apenas nos autos. E quando um ministro fala nos autos com clareza, ele tem mais força. Evidentemente existem alguns ministros acostumados aos holofotes. Mas espero que essa seja uma tendência decrescente.

A proporção da crise sanitária tornou mais visível, não apenas no Brasil, a questão da concentração de renda. Como nosso regime democrático deverá lidar com esse “escancaramento” da concentração de renda e da pobreza, tendo uma agenda de ajustes a realizar? 

De forma simples, desde 1988 vimos dois fatores conflitantes na democracia. De um lado, a universalização do voto. Cada vez mais brasileiros votam e participam. E isso é bom. E participam não somente pelos votos, mas pelas mídias. E isso é bom. E agora participariam, se pudessem, nas ruas. E isso é bom. No entanto, a descentralização democrática do poder no Brasil tem esbarrado na concentração da renda. Ou seja, a descentralização do poder político conflita com a concentração do poder econômico.

Esse não é um problema somente brasileiro. É a questão do século 21 em todos os países que estão enfrentando a mesma epidemia. Em exemplo é o slogan “We are the 99%”, usado no movimento Occupy Wall Street no início da década, referindo-se que apenas 1% dos americanos detinham a maior parte da renda americana.

Essa concentração de renda foi denunciada no mundo inteiro pela Covid-19, devido à fragilidade dos mais pobres em sobreviver à doença. Mas quando a democracia deixa de ser apenas formal e legal, e não preenche a métrica da eficácia, ela perde a adesão. Por isso, a reforma fiscal que o Brasil precisa urgentemente é que estimularia uma melhor distribuição da renda nacional.

Entrevista concedida à Revista Conjuntura Econômica – IBRE/FGV, por Solange Monteiro. Julho de 2020