Sempre que o presidente Trump aparece na televisão, está acompanhado de médicos e cientistas. Ele fala e depois cede para eles o microfone. O primeiro-ministro Boris Johnson decide com ajuda dos cientistas do Imperial College. Quando informado, muda, inclusive, sua política. Cede aos cientistas. Antes contra, agora a favor da quarentena.

O governador João Doria está sempre acompanhado de grandes médicos e cientistas. Angela Merkel decide consultando cientistas alemães. Aqui mesmo, no início, o presidente Bolsonaro aparecia acompanhado do entusiasmado e confiante ministro Mandetta. Agora nem tanto.

O que significa este visível ritual, união entre poder político e conhecimento científico?

A autoridade constitucional máxima da nação, seja primeiro-ministro ou presidente, qualquer uma, diz aos telespectadores mais ou menos o seguinte: “Eu sou a autoridade política e legal máxima de meu país. A última palavra é minha. Mas estou baseando esta autoridade máxima na ciência”.

A aplicação da Constituição não é apenas pacto ou arena de interesses sociais competitivos. Que ganham ou perdem a cada interpretação do Supremo. Ou nova lei do Congresso.

Como dizia o professor Portella Nunes, da Academia Nacional de Medicina: ao interpretar a vida temos que partir sempre de uma verdade básica.

Os cientistas são como legisladores também. A Ciência inspira a aplicação da Constituição.

O problema é que a Ciência não tem um só rumo certo e eficiente. Nem hoje sabe com exatidão para onde nos mandar. Nos salvar.

Não existe ainda o tratamento, os remédios, a vacina redentora. Que faria da verdade básica a verdade completa. Ainda que efêmera. O que fazer então? Seguir quem e para onde?

Existe claro vácuo. Que não pode ser apropriado pela anticiência, pelas trevas da ignorância. Solta no ar do voluntarismo autoritário.

Disse o Prêmio Nobel Jacques Monod: o acaso da evolução do mundo cria as necessidades. Como enfrentar novo acaso?

Primeiro. Se precisamos de isolamento social, precisamos também de união científica. É o que corre nível mundial. Cientistas, professores e alunos juntos.

No Brasil o Sírio-Libanês, LACC, Einstein, Hcor e dezenas de universidades, laboratórios privados têm se unido para trocar informações, bancos de dados, novos softwares e algoritmos. Uns com os outros. Fundação Oswaldo Cruz no Rio sempre à frente.

Imaginar e experimentar todas as hipóteses possíveis. Mesmo nesta época onde a Ciência avança tanto como arte combinatória, quanto pelas hipóteses dedutíveis. Descobrir é experimentar.

Estranho, porém, é que nos trilhões de dólares que os governos estão distribuindo esta prioridade não esteja explícita: reforçar as instituições públicas e privadas, seus projetos e seu pessoal.

Sem eles teremos vida precária. Nem mesmo vida econômica, alerta o presidente Sarney: sem comprador e vendedor. Fim.

Nosso ministro de Ciência e Tecnologia, o astronauta Marcos Pontes, precisa defender seu setor. Com a coragem que tem, tanto na Terra como nos céus.

Segundo. A vacina é igualitária. Não é discriminatória, como a economia, a política, o Direito e a educação. Cura um, cura todos. Não distribui privilégios. O acesso é que não pode ser desigual.

Terceiro. A verdade básica produzida pela ciência a inspirar a Constituição não é verdade absoluta e final. Estática. É o último conhecimento disponível que mais nos aproxima da verdade. No caso, da cura. Da vacina.

Diz, faz décadas, o professor Cláudio Souto, jurista do Recife. Toda Constituição deveria estabelecer que a interpretação judicial e a criação legislativa deveriam estar de acordo, partir do conhecimento científico disponível.

Esta conjugação desideologizante da política, da administração pública e do Direito e sobretudo da Constituição já tem inspirado decisões judiciais igualitárias.

Sobre gênero, raça, aborto, transplante de medula, pena de morte e tanto mais.

Com ajuda da Matemática e da Estatística, o último conhecimento científico global testado é: o isolamento social contribui sim para o combate ao vírus.

Confiar na Ciência, no exercício do poder político, jurídico e econômico.

Vai dar tempo.

 

Artigo publicado originalmente no jornal O Globo, em 29 de março de 2020.