Para aqueles, muitos, que vão viajar de avião nestas férias, queria convidar parar analisar como se comportam seus voos.

Qualquer companhia de aviação tem um objetivo maior: ter lucros para competir, sobreviver e vencer. Continuar no ar. O que é legítimo.  Para isto, tem que cumprir com regras da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Sobretudo as de segurança de voo. O que é obrigatório.

Mas o que acontece quando as companhias aéreas não conseguem lucro, ou pouco lucro? Óbvio. Tentam aumentar a produtividade. E quando não conseguem?

Tentam, então, mudar a regulamentação do setor. Por motivo simples. Não existe regulamentação grátis. Ou neutra. Qualquer decisão da ANAC impactará nos custos, ou das companhias aéreas ou das passagens.

Aumentam ou diminuem custos. Inevitável. Se diminuir a despesa, aumenta o lucro. E vice-versa.

O objetivo do lobby das empresas de aviação é lutar permanentemente para que a ANAC regulamente pelo menor custo possível e que crie, assim, a maior receita possível para elas.

Foi o que aconteceu este ano de 2019, quando o lobby das empesas de aviação conseguiu que a ANAC mudasse as regras e cobrasse pela bagagem. Aumentou a receita. Aumentou a possibilidade de lucro das companhias aéreas. À custa do passageiro.

Sente-se na sua poltrona e observe as consequências desta decisão da ANAC na hora do embarque.

O argumento para cobrar pela bagagem foi que assim viriam companhias low cost, e que isso diminuiria o preço da passagem. Falso ou verdadeiro? Semifalso.

Em alguns trechos, pode ter diminuído por causa de voos mais baratos. Em outras, não. Mas a diminuição do preço da passagem foi devida a uma nova estratégia de marketing: um aumento nas promoções, e a permissão de venda, por preço reduzido, de assentos que potencialmente ficariam vazios.

Qualquer algoritmo faz isto.

Rio-São Paulo-Rio continua, no entanto, com preços caríssimos. Muita vez equivale a um São Paulo-Miami- São Paulo, Rio-Lisboa-Rio. Mais a bagagem. Não entraram as low cost.

Os passageiros, então, reagiram. Aumentaram os itens da bagagem de mão que carregam consigo. Em época de férias, então, são, pelo menos, dois, três, às vezes, quatro itens por passageiro. Como controlar?

Para evitar a multiplicação de bagagens de mão que as próprias empresas estimularam, colocaram medidor de tamanho de maleta.

Não funciona. Provavelmente mais da metade das bagagens, ditas agora, de mão, não são mensuráveis.

Se os atendentes forem mesmo medir cada uma, aumentará o tempo do embarque. Tempo é custo. Aumentará a discussão com os passageiros. Imagem é custo. Precisará de mais pessoal. Pessoal é custo.

Mais ainda, o medidor é para maleta. E para bolsas de braço e mochilas? E pacotes?

Não é inusitado um senhor com uma maleta, uma mochila e uma pasta. Uma árvore de Natal.

A bagagem virou uma permanente cornucópia de receitas. Se você tem, hipoteticamente, direito a duas bagagens de 20 quilos, cada uma, e leva uma de 25 e outra de 15, agora tem que pagar extra de 150 reais pelos cinco quilos que extrapolou na de 25. Antes, não. O cálculo era pelo total: 40 quilos. Nada pagava. Agora, para não pagar, o passageiro tem que viajar com malas de pesos iguais!

Lógico que não devolvem os 150 reais pelos quilos que comprou e não usou. Dois pesos e duas medidas, literalmente.

Mas, pior está por vir. Dentro, nos compartimentos em cima das poltronas não cabem tanta bagagem de mão. Em geral, começa um empurra-empurra de bagagens espremidas, passageiros disputando espaço.

Aqui vem o perigo. Os comissários, pelos alto-falantes, instruem para que os passageiros coloquem bolsas, sacolas, mochilas e demais objetos debaixo das cadeiras localizadas em sua frente.

Ou seja, no lugar dos seus pés. Lugar embaixo de poltronas cada vez menores. Não foram previstos, desenhados para alojar bagagens.

É um desvio, uso provavelmente ilegal de espaço dentro do avião. É um puxadinho não autorizado.

Será que a ANAC autorizou? Será? Acho que não. Fiscaliza? Acho que não?

Outro dia um comissário foi ao alto-falante dizer de alto bom som: “Não vamos levantar voo com passageiros com malas e mochilas entre as pernas”. Algo está errado.

Pior. Agora os carrinhos de bebês – e nesta época das férias são muitos – são bastante dobráveis. Em vez de irem no compartimento de carga, os pais pressionam para irem nos compartimentos em cima das poltronas. Menos espaço sobra.

Sem falar que nada impede que as sacolas, debaixo dos pés, da poltrona 15C caia ao 15B ou 16C ou 14C. Instala-se o constrangimento entre passageiros. Muita vez discussão. Atrasa o voo.

O que, na verdade, as companhias estão fazendo é vender duas vezes o mesmo espaço: o dos pés e o das mochilas e sacolas.

Menos frequente, mas que aumenta em época de férias, é o fato de passageiro não autorizado entrar na cabine do comandante. Seja funcionário da empresa, de carona e sem uniforme. Seja amigo do comandante. Ou algum pedido especial para ver a aterrisagem.

Seria muito bom se nestas férias a ANAC, em vez de criar sistemas de fiscalização, controle, limitações, aumentos, menos espaços, constrangimentos, respeitasse mais os direitos dos passageiros.

Ficaríamos todos melhores: voos mais pacíficos e mais seguros. A ANAC mais legítima.

Texto publicado originalmente no JOTA e no Correio Braziliense, em 03 de janeiro de 2020.