“Os Onze: o STF, seus bastidores e suas crises”, novo livro de Felipe Recondo com Luiz Weber é fina ressonância magnética do Supremo.

Mas com título equivocado. O título deveria ser: “Os Onze, o STF, seus bastidores e seu cotidiano”.

Hoje, no Supremo, a crise é o cotidiano. Fratura exposta, politizada e personalizada.

O livro toca melodia recorrente: o processo decisório dos ministros. Como decidem o que é constitucional e o que não é?

Segue tendência universal: a urgência de transparência judicial na democracia. Inclusive os autores escolheram como modelo o livro “Os nove”, de Jeffrey Toobin, sobre o Supremo americano.

A pesquisa histórica é instrumento privilegiado  desta transparência. Vem com força. Este ano teremos ainda os livros de Conrado Hubner e Rodrigo Janot.

A transparência tem sido quantitativamente buscada na série “Supremo em Números”, da FGV Direito Rio.

Aí revelou-se a manipulação dos pedidos de vista, a impunidade decorrente de foro privilegiado, o monocratismo de ministros e a grave doença do processualismo.

Criou-se nova pauta para advogados, jornalistas e professores. Um constitucionalismo de realidade.

“Os Onze” não tem números. Mas é rigorosa pesquisa qualitativa. Revela os gritos e sussurros que cercam uma decisão. Pesquisas quantitativas e qualitativas assim mutuamente se confirmam.

No livro, dois personagens emergem:

Joaquim Barbosa, pois é a partir do Mensalão que tudo vai mudar. Impôs seu rito, coragem e argumentação. “Foi a largada para um Supremo conflagrado, confirmou-o como um tribunal atento e reativo à opinião pública, catapultou a imagem dos ministros, tornou-os personas públicas e instigou até mesmo ambições políticas”, dizem Recondo e Weber.

Luís Roberto Barroso que, como advogado, já defendera causas de avanços sociais, agora usa a concepção de um Supremo iluminista contra a corrupção obscurantista denunciada por Lava Jato.

Ambos, Barbosa e Barroso são atacantes. Destemidos como o Vavá da seleção brasileira de 1968. Não são dissimulados, sibilinos. Têm ideias e não interesses.

Outros ministros poderiam também ser atores privilegiados. E no livro são. Teori Zavascki, é excelente a narração sobre a tessitura de seus votos no Lava Jato. Carlos Direito, por sua vocação coordenadora. Ayres Britto, pela iluminação ao colocar o Mensalão em votação. Infelizmente não mais estão por lá.

Dos que ainda estão, ressalte-se a pauta de Celso de Mello como voz de autoridade institucional. Agora contra Bolsonaro. O devido e necessário silêncio da imparcialidade de Rosa Weber. A prudência e tática de Edson Fachin. E o contraponto de Marco Aurélio, quem sabe e as vezes até gosta de perder.

Não é, pois, por fata de exemplos internos que o Supremo perde legitimidade.

“Aqui cada um é por si”, disse certa feita Lewandowski. “Hoje eu diria que o tribunal é a baderna de todos contra todos”, disse Sepúlveda Pertence. “As alianças no Supremo são de vidro”. “O adversário de hoje pode ser o aliado de amanhã”, dizem os autores.

Com a crueza de um golpe ippon, Luiz Fux complementa: “Ninguém gosta da ideia que não teve”.

Supremo partido e repartido.

Não leia o livro apenas como história. É mais. Serve para nos entender hoje. A origem dos parâmetros, por exemplo, nas relações de magistrados com as partes interessadas.

Na discussão sobre o crédito premium do IPI, o advogado dos exportadores chega a Eros Grau, que lhe diz com a tranquilidade de um consequencialismo de realidade:

“Vocês acham que o Supremo vai julgar em favor de vocês uma causa que a Fazenda diz que custa 200 bilhões de reais? Nunca. O Supremo vai decidir contra vocês!”

Vários outros exemplos de contatos entre magistrados, autoridades e partes estão presentes no livro. É uma rotina cultural que dificilmente pode ser considerada como evidência de parcialidade dos processos.

Hoje estes contatos de magistrados com partes seriam demonizados por alguns advogados, jornalistas e mesmo por outros ministros.

O livro é tiro mortal no processualismo. Esta doença-crença de que todos os ministros decidem de acordo com o formalismo artificial do direito processual e do regimento, como acreditam indispensável ao estado democrático de direito. Direito processual sim, processualismo não.

Carlos Peluso tentou sempre. Mas nova realidade emerge.

Aliás, retiro minha proposta inicial. O título do excelente livro de Recondo e Weber deveria ser: “A Vida como ela é”. Do Supremo.

Artigo publicado originalmente no Valor Econômico, 23 de agosto de 2019.