Cinco pontos para melhor entender a tática do Ministro Toffoli contra Lava Jato. Em especial contra Deltan Dallagnol e o Ministro Moro.

Primeiro, esqueçam, pelo menos temporariamente, a lição do Ministro Celso de Mello, de que o poder do Supremo reside na sua palavra final.

O poder agora reside no instante do Ministro Presidente. Na liminar monocrática, na definição ou indefinição da pauta, na cotidiana declaração pública, na indevida visita às partes, na distribuição das relatorias. E por aí vamos.

Tem poder, não quem tem a palavra final: a instituição. Mas quem tem o efêmero instante: o ministro individualmente.

Segundo, o importante é o Presidente manter em aberto a possibilidade de agradar e/ou ameaçar a todos, ao mesmo tempo. Seja Lava Jato. Seja a Presidência da República, o Congresso, os congressistas denunciados, os acordos de leniência, os empreiteiros. Todos.

Agrada o Presidente Bolsonaro, protegendo e dificultando a investigação de seus filhos. Ao mesmo tempo, fica aberta a possibilidade, a ameaça de prosseguir as investigações.

Agradar e ameaçar são faces da mesma moeda.

Manter esta moeda é a arma do ilimite.

Produz incerteza judicial e insegurança jurídica permanentes em todo o país. Entra na pauta, sai da pauta, adia a pauta, leva à mesa, não leva, pede vista. As vítimas são as próprias instituições. Liquefeitas, diria Bauman.

E também a economia. E o investimento. A expectativa econômica muito vive da expectativa jurídica.

Terceiro, ministro não é Supremo. Nem mesmo presidente do Supremo é supremo. Nem ministro do TCU é o TCU. Nem Corregedor do Ministério Público é o CNMP.

Não confundir opiniões, decisões, insinuações, declarações à mídia de Ministros individuais com as decisões das instituições a que pertencem.

Quem fala por estas instituições são seus plenários. E seus plenários estão prudentemente calados. Quase constrangidos. Processualmente silenciados.

Como os plenários são plurais, a tática dos alto-falantes é evitá-los. Diante de questões polêmicas, é difícil prever o resultado. É melhor adiá-los. Esperando a sombra da liminar do eu sozinho, o momento político propício. Quando conseguir votos suficientes para aprovar suas inclinações, alianças ou interesses pessoais.

É o que está acontecendo, aconteceu no Conselho Nacional do Ministério Público. Os processos contra Deltan entram ou não entram em pauta de acordo com os cálculos dos votos que previamente fazem os que controlam a pauta. A pauta da conveniência. Abuso do direito. A fase atual é pressão nos conselheiros.

Até hoje o Ministro Toffoli não levou para o plenário sua decisão unilateral e sem previsão constitucional ou regimental de editar e promover inquéritos envolvendo parentes de ministros inclusive.

Criou assim uma espécie de Medida Provisória Suprema que começa a valer no instante em que edita, e na hora silencia o plenário.

Com um pequeno e decisivo detalhe. A Medida Provisória só vale por sessenta dias. A Medida Provisória Suprema do Ministro Toffoli vale até o dia em que ele queira colocar em pauta.

Quarto, ao ultrapassar limites institucionais, Toffoli coloca uma armadilha para o plenário. Se colocar para apreciação do plenário seu ato unilateral em que se concede autopoderes de investigação, o plenário ficará coagido. Como dizer ao povo que seu Presidente fez um ato irregular?

Não precisa dizer. Já se sabe.

A pesquisa de Rubens Glezer da FGV-Direito São Paulo sobre os pedidos de suspeição mostra claramente. O Supremo, mesmo seu plenário, não quer se julgar. Nem julgar seus pares. Os ministros do Supremo não são suspeitos nunca!  Mesmo sendo.

Quinto, esqueçam as discussões jurídicas, as teorias formalistas, doutrinas, jurisprudências. Como, por exemplo, a celeuma sobre imparcialidade do magistrado.

Um ministro do TCU pode ou não ameaçar os auditores fiscais? Conflitando com a Receita Federal. Extrapolou ou não sua competência? Pouco importa. Importa é ter acesso, por instante, às informações confidenciais que, por enquanto, não teria.

Vejam a querela da parcialidade da Força-tarefa. Vai ser julgada por ministro que, de antemão e de público, diz que se trata de uma organização criminosa. Declaração que não advém de prova ilícita. Mas de registro no cartório da opinião pública. É suspeito. Já pré-julgou.

Como julgar as questões envolvendo o Presidente Bolsonaro, sem se julgar suspeito?

Alguém se lembra de John Roberts, presidente da Suprema Corte americana, se encontrando amiúde com Trump? Ou do presidente da Corte Constitucional Alemã Andreas Voßkuhle encontrando-se amiúde com Angela Merkel?

Não se encontram. E quando se encontram é publico e protocolarmente.

O cerne do poder é a manipulação do tempo. Da expectativa da pauta, da mídia, da opinião pública, das partes, dos advogados e dos demais poderes submissos.

No estado democrático de direito, o poder do presidente do Supremo é o silêncio.

O resto é silêncio, diria Hamlet.

 

Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense, no dia 14 de agosto de 2019.