A primeira diz respeito à famosa visita do escritor norte-americano Aldous Huxley a Gilberto Freyre em Apipucos. Ficaram a sós, conversando. Talvez na varanda. Gênio a gênio. Cara a cara.

No final, os repórteres perguntaram a Huxley o que tinha achado da conversa. Apenas disse:

“O Brasil é um país improvável!”

Talvez fosse. Talvez ainda seja. De futuros improváveis. Foi o que ele deve ter concluído das antecipações, das ideias que Gilberto tinha sobre o futuro.

Se ainda por cima concordarmos com o Prêmio Nobel mexicano Octavio Paz, para quem a regra que comanda a história, além da mera cadeia de causalidades, é a incerteza labiríntica, prever fica mais difícil ainda[1].

Uma das antecipações de Gilberto foi entender a importância da ecologia. Do que hoje se chama de “desenvolvimento sustentável”. Problema que une e desune o mundo, por exemplo, diante do acordo climático de Paris.

São diversas as suas referências a esta antecipação.

Defendia, por exemplo, que as cidades crescessem não no modelo de hoje, cercadas de indústrias poluentes. Mas no modelo inspirado por Jaime Lerner: o “rurbano”[2]. Cidades cercadas não apenas de cal e pedra, cimento e aço. Mas de zonas agrícolas, campos, paisagens, de natureza rural.

O que seria mais adequado ao nosso país de grande extensão territorial e de alta densidade demográfica urbana.

Evidentemente que esta não foi uma antecipação inédita. Foi, diria Gilberto, uma ressurgência. Filia-se à mesma linha de propostas de José Bonifácio de Andrada e Silva no início de século XIX.

Reconhecendo a natureza como patrimônio maior do Brasil, José Bonifácio propôs que nossas primeiras escolas de formação superior fossem justamente escolas agrícolas[3]. E não jurídicas.

Se a decisão tivesse sido esta, nosso futuro teria sido outro. Ou seja, o futuro é fruto de nossas decisões. E também de não decisões.

Mas será possível prever o futuro feito de improbabilidades, casualidades e decisões simplesmente humanas? Não sei…

Mas é quase certo que a preservação, exploração, manutenção e sustentabilidade da natureza estará no centro do futuro de todos.

Não é antecipação, mas lugar comum, dizer que nossa independência, como nação política e jurídica, dependerá de nossas decisões sobre a Amazônia.

Do ponto de vista ambiental, cultural, geopolítico e econômico, como antecipou Clóvis Cavalcanti com sua pioneira economia de fundo ecológico[4].

Não foi por menos que a Fundaj criou uma base na Amazônia.

Hoje não estamos agindo a tempo. Nosso futuro está atrasado.

Uma segunda antecipação também de inspiração pernambucana diz respeito à imagem de Aloísio Magalhães, do bodoque, da atiradeira: “Quanto mais esticamos o elástico para trás, com mais força e determinação, mais a pedra seguirá em frente”.

Ou seja, quanto mais conhecermos nosso passado, história, e cultura, mais poderemos moldar nosso futuro.

Como disse, certa feita, Fernando Montenegro na televisão, por inspiração de Armando Strozenberg: “Um país que não tem passado não sabe o país que é”.

Não sou dos que acreditam que a tecnologia e a globalização – China e Estados Unidos – uniformizarão e diluirão as identidades culturais locais. Ameaçam, mas não são o destino.

Sobretudo se conseguirmos escapar destas dicotomias simplificadoras que inundam o Brasil de hoje.

A marca do futuro é o reconhecimento das complexidades, muito além apenas, embora pressuposto, das diversidades.

Estas dicotomias, como diz Elio Gaspari, não revelam o debate conservador. Mas o debate do atraso[5].

Será na arte combinatória de encontros e desencontros entre as culturas que se forjará o futuro.

A preservação e mesmo o estímulo, por exemplo, de uma cultura de miscigenação de igualdades inter e intrarracial é mais próximo de nós do que da maioria dos países desenvolvidos.

Futuro é uma cultura que assume sempre novas qualidades. Inclusive tecnológicas.

Como dizia Camões.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades[6].

Antecipar as novas qualidades, mas enraizando-se em nossa cultura é tarefa maior. Quando se comemora o passado, o presente e o futuro do Jornal do Commercio.

[1] Ver: PAZ, Octavio. Itinerario, México, Fondo de Cultura Económica,1993.

[2] Ver: FREYRE, G. Rurbanização: que é? Recife, Massangana/Fundação Joaquim Nabuco, 1982.

[3] Ver: PÁDUA, Jose Augusto. Um sopro de destruição: Pensamento e crítica ambiental no Brasil

escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: JZE, 2003.

[4] Ver: CAVALCANTI, Clóvis. Uma tentativa de caracterização da economia ecológica. Ambiente & Sociedade, v. 7, n. 1, p. 149-156, 2004.

[5] Ver. GASPARI, Elio. O conservador e o atrasado. Folha de S. Paulo, janeiro de 2019.

[6] Ver: CAMÕES, Luís Vaz de. Sonetos de Camões. São Paulo: Ateliê Editorial, 2011

* Texto publicado originalmente no Jornal do Commercio, em 03 de abril de 2019.

Acesso: https://jconline.ne10.uol.com.br/canal/opiniao/opiniao/noticia/2019/04/03/antecipacoes-pernambucanas-374994.php