“Precisamos convidar, para este conselho, pessoas “montantes””. Dizia, em francês, Aloísio Magalhães, no final da década de setenta, então Secretário Nacional de Cultura. O equivalente hoje a Ministro da Cultura.

Começara grande mudança no conceito, estratégia e ação de identificação, preservação do nosso patrimônio histórico e artístico nacional. No famoso IPHAN.

Ampliava-se o Brasil.

Não apenas o patrimônio de pedra e cal, de igrejas e sobrados sem mocambos.  Mas agora também, patrimônio imaterial vivo, as músicas, os fazeres, os saberes populares.

Criava-se a Fundação Nacional Pró-Memória, que iria administrar os mais de trinta museus federais, as cidades históricas, Cinemateca de São Paulo, Museu Lasar Segall, a Biblioteca Nacional e tanto mais.

O Conselho de que falávamos, Aloísio, Irapoan Cavalcanti e eu, seria o órgão máximo da Fundação.

Mas o que Aloísio queria mesmo dizer com o qualificativo, quase pernóstico, de “montante”?

A tradução em português é: “ascendente”.

Propunha-se convidar jovens líderes, de cerca de 40 anos, que já tivessem dado indicações de que fariam a diferença no futuro. Fossem ascendentes, de sucesso antecipável em suas profissões.

Mas ainda não tivessem chegado ao top of the hill. Fossem pré-líderes.

Seriam um dia.

Pessoas não profissionalmente da área de cultura, mas que se dispunham a serem ativos participantes. Assumindo responsabilidades, sensíveis e com habilidades voltadas para a ação, para a gestão. Pragmáticos.

Foram então convidados, e aceitaram, os jovens “montantes“: Rubens Ricupero, Marcio Fortes, Fernando Moreira Salles, Jorge Hilário Gouveia Vieira, Mario Bérard, e entre poucos outros, Fernão Bracher.

Nesta época protege-se os fazeres industriais, como as tecelagens de Minas Gerais.

Protege-se o patrimônio imaterial, o que hoje, quase todo país e toda cidade tem.

Como o frevo, o samba de roda, o Círio de Nazaré, a Feira de Caruaru, a Vaquejada, o queijo de Minas.

O respaldo dos conselheiros “montantes “foi decisivo para esta mudança.

Assim como o de Severo Gomes, Golbery do Couto e Silva, que tinha uma veia muito nacionalista. Tudo bem continuado com Marcos Villaça.

Qual não foi minha surpresa, quando um dia, fui jantar na casa de Fernão em São Paulo.

Encontro em lugar de destaque, na porta de saída, era impossível não ver, uma peça de madeira, uma talha, de um pica-pau de Olinda, como chamamos os jovens artesãos. De simplicidade extrema, que logo reconheci.

O patrimônio popular estava ali, em sua casa.

Mas surpresa maior, foi em sua fazenda. Com a brasileiríssima jabuticaba sempre à mesa durante toda refeição. Orgulhosas. Do começo ao fim.

Em conversa com Sônia e Fernão, Maria Ignez e Rubens Barbosa, Jorge Cunha Lima, Vivianne e eu, ele se vira para mim, eu desprevenido, e pergunta:

“O que você, pernambucano, acha da Revolução de 1817? Você é contra ou a favor de Frei Caneca?”

Claro que era a favor! Até hoje!

Fernão era um homem de amplas curiosidades. E de todas as estéticas.

O patrimônio cultural e nossa história se transformaram, então, em nossa living conversation piece. Sempre renovada e desafiante, quando nos encontrávamos.

Passou a ser o cimento de nossa amizade.

Uso melhor para a cultura, não imagino.

Publicado originalmente no site de Bresser-Pereira:

http://www.bresserpereira.org.br/view.asp?cod=7530