Publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 21 de dezembro de 2018 ( Acesse aqui ).

Passou desapercebida a entrevista sobre segurança nacional na televisão, antes do segundo turno, do general Augusto Heleno, futuro Ministro de Gabinete de Segurança Institucional.

Nela, o general distingue segurança dos indivíduos, vítimas de violências múltiplas, de segurança nacional. Como se fossem três os tipos de segurança: individual, pública (urbana e rural) e segurança nacional.

Se o general avançou um novo conceito de segurança nacional, teve a simplicidade do óbvio.

Segurança nacional é política de estado que busca garantir a soberania. Isto é, o controle e funcionamento em nosso território do estado democrático de direito e de suas instituições.

No regime militar, a ameaça viria do comunismo, da Guerra Fria, dos guerrilheiros. Hoje, não mais.

Inexiste a ameaça do comunismo. O PT não faz guerrilhas. Não assalta bancos. Ao contrário, defende-se na justiça e participa de eleições.

É, porém, crescente, fragmentada e multifacetada, a perda da posse de nosso território pelo estado. Inclusive pelas Forças Armadas. Sobretudo, do território urbano, nas favelas, nas comunidades, nas periferias, em bairros inteiros. E nas fronteiras.

Perda de controle legal e econômico também.

Nestes lugares, só prevalece a constituição quando ela não se choca com a lei do mais forte. Traficantes controlam o acesso a serviços públicos. Da energia ao gás e telecomunicações.

Ali, não tem país. Ou melhor, tem outro país.

Quem compete com as forças armadas pela nossa soberania é o narcotráfico e as milícias. Armar o campo atende a segurança individual, mas não a segurança nacional.

O PIB do narcotráfico e milícias, provavelmente, cresce mais que o nosso. Segundo a Folha recente, só o PCC e a Máfia controlaram mais de 1 bilhão de reais este ano.  Controlam presídios e milhões de pessoas, direta e indiretamente.

São empresas com tentáculos em todo o país, segundo o general Heleno.

A informalidade e a ilegalidade parecem melhor administradas.

A Anatel ainda não conseguiu controlar o uso de celulares dentro e fora dos presídios. Até quando?

O resultado das eleições é claro. O mandato de Bolsonaro não foi para fazer a independência do Banco Central, ou acabar com o Ministério do Trabalho.

Seu mandato, na sua retórica mais expressiva, é para combater a corrupção e a violência urbana e rural.

Este combate o Brasil esta perdendo. No Ceará, no Rio Grande do Norte, em São Paulo, no Rio, e por aí vamos.

A questão é estancar esta expansão e retomar a posse completa do território nacional. Soberania ou é plena ou não é soberania. Mas, atenção: respeitando o estado democrático de direito.

Já se suspendeu o direito das pessoas de ir e vir nas favelas. E nada. Não se respeita mais o direito de privacidade. Casas são invadidas. E nada. Prende-se arbitrariamente os jovens. Levam-nos para prisões. Não podem recorrer em liberdade. E nada.

O preço da segurança nacional não pode ser as violações dos direitos individuais. Mesmo nesta tarefa, o poder do estado não é irrestrito.

Um delegado me alertou: “Antes os jovens, os aviões eram controlados pela polícia. Depois pelo tráfico. Depois pelas milícias. Agora ninguém controla ninguém. São jovens gangs matando jovens gangs. Pobre contra pobre”.

O mandato de Bolsonaro é este. Como retomar a soberania fragmentada respeitando direitos constitucionais e unificando, pelo investimento em inteligência, as centenas de órgãos públicos que normalmente se disputam?