É fogo de indignação. O Museu Nacional está ardendo. Ardendo de raiva.

Não precisa mais chamar os bombeiros. Não precisa mais que as autoridades procurem a causa do horror.

Todos conhecemos a causa. É visível em seu início e trágica em seu fim. É uma cadeia.

Não precisa chamar os Ministros da Cultura para lamentar.

Chamem logo os Ministros da Fazenda, os Ministros do Planejamento o Congresso, os responsáveis pelos orçamentos destes anos todos.

Não se contabiliza, não se corrige, não se ajusta por índice algum, os tesouros da cultura brasileira. Nosso patrimônio cultural inexiste para a política econômica e financeira. Não entra em seus cálculos. É um nada.

Basta simples análise contábil. Vejam quanto foi destinado aos museus nacionais nestes anos todos. Retirem as despesas com pessoal, verifiquem as despesas de manutenção. Deduzam tudo e a verdade aparece.

Quanto investimos no aperfeiçoamento de nossos recursos humanos em nossos funcionários? Em novos processos gerenciais. Quanto investimos na modernização tecnológica de nossas instalações museológicas e científicas?

Para os que gostam de padrões econômicos civilizatórios como referência do gasto público, basta comparar quanto os países desenvolvidos gastam e investem em seus acervos patrimoniais.

Se o controle de inflação é necessário, e é, a defesa do patrimônio e da ciência também. De que vale aquele controle, sem esta defesa?

Desaparece a maior instituição científica brasileira.

Infelizmente, agora está claro. O verdadeiro campeão nacional não é a JBS ou uma empreiteira. O verdadeiro campeão nacional é, ou melhor, era o Museu Nacional. É a Biblioteca Nacional. É o Museu Histórico. O Museu de Belas Artes. É a Cinemateca Brasileira.

É através destas instituições, sempre lembrou Aloísio Magalhães, que participamos da cultura ocidental. Dialogamos e somos iguais aos países desenvolvidos.

Hoje, abandonamos este diálogo. Calamos a nós mesmos. Hoje não somos. Somos participantes da barbárie. Nossos próprios talibãs.

Aloísio, na década de noventa, foi contra a criação do Ministério da Cultura, enquanto a nossa cultura não fosse politicamente forte. Não adiantava, acreditava ele. Premonição?

Existem áreas onde é necessário menos estado. Sobretudo nas desonerações fiscais, nos subsídios, nos empréstimos subsidiados.

Em outras, ao contrário, é preciso o estado máximo.

Tem áreas onde o excesso do funcionalismo é desperdício. Mas tem áreas onde o funcionalismo diligente é indispensável.

Trata-se de ver, nas chamas, o Brasil atual. Sem rumo. E autofágico.

Povoado de palavras de ordem, dicotômicas, contra si mesmo.

Capaz de conceder milhões de reais através da Lei Rouanet para shows importados da Broadway, e régios salários para artistas internacionais, em troca de migalhas para o que realmente importa: nós mesmos, em nossa história e em nosso futuro.

Só nos resta Simone: Começar de novo. E contar conosco. Vai valer a pena. Ter acontecido?

Joaquim Falcão

Academia Brasileira de Letras

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro