Artigo publicado no Jornal O Globo, em 23.01.2018 ( Acesse aqui ). 

O julgamento do ex-Presidente Lula, em Porto Alegre, é mais do que mera decisão judicial. É momento simbólico da mania de justiça que assola o país. Desde o Mensalão.

Que mania é esta?

É um sentimento mais profundo. Além da política. Que despertou em milhões de brasileiros. Nos amplos setores da vida cotidiana de cada um.

Da mulher que não quer mais ser discriminada em seu trabalho. Do consumidor que não quer mais ser enganado. Do eleitor que não quer mais ser desrepresentado por seu deputado. Do contribuinte que não quer mais seu imposto alimentando a corrupção público-privada.

Do pai que não quer ver seus filhos policiais mortos por cumprirem o dever. Da mãe que não quer ver seu filho aliciado por traficantes. Do paciente que não quer mais o hospital público sem remédios e leitos. Do acionista minoritário que não quer ser vítima de espertas gestões dos executivos. Do trabalhador que não quer mais o desemprego.

Esse sentimento, essa mania de justiça, é civilizatório.

É uma espécie de jusmania.

Mas como concretizá-lo?

Hoje, ele ainda é canalizado para o Poder Judiciário. Tarefa de policiais, procuradores, defensores, advogados, juízes e tribunais. Até quando?

Há limites claros dessa entrega do sentimento popular de justiça ao Poder Judiciário. O Judiciário não pode ultrapassá-los ou deles abusar. A mania de justiça não aguenta mais duas práticas judiciais atuais.

Primeiro, não se aguenta mais a politização da justiça ou a judicialização da política. Em Porto Alegre, não se está julgando um ex-presidente ou um futuro candidato. O TRF4 não é tribunal eleitoral. Julga-se um cidadão igual a todos.

Ao exercer sua atividade profissional – autoridade pública – Lula violou ou não o comportamento que um sentimento de justiça poderia dele esperar?

Segundo, não se aguenta mais o Judiciário transformar a concretização da justiça em momento infinito.

Já não se discute a futura decisão do TRF4. Discutem-se os recursos que vão se multiplicar.

No fundo, depositário institucional da mania de justiça, o Judiciário demonstra que faz dos recursos que aceita, a armadilha de si mesmo.

Não usa sua independência para se proteger. Deixa-se usar. É refém passivo da iniciativa dos advogados por novos recursos.

Recursos podem beneficiar réus, embora rarissimamente os números mostrem. Aumentam a clientela dos advogados, mas, sobretudo, desgastam o Poder Judiciário.

Nesse desgaste mora o perigo da impaciência e indignação popular.

Sentimentos não são eternos.