Artigo publicado no Jornal Correio Braziliense, em 04.01.2018.

Não são poucos os que afirmam que os brasileiros estão hoje inconciliáveis. Um processo de radicalização perigosamente se aproxima em outubro deste ano. Os brasileiros divididos. Um não ouve o outro. Um com discordâncias do outro. Só se ouvem a si próprios.

Apenas se colecionam, em vez de se compartilharem, diria Guimarães Rosa.

Com as diferenças devidas, esta animosidade não é nossa exclusiva. Vemos na Catalunha. Vemos no Brexit. Vemos inclusive nos Estados Unidos de Donald Trump.

Em seu último discurso no “Estado da União”, Obama disse no final que o mais grave da democracia de lá é que americanos tinham trocado respeito mútuo por desconfiança mutua.

Há falta de homens prudentes capazes de transformar o conciliável no possível.

Mas o que é um homem prudente?

Em geral, vincula-se prudência a calma, a homem atento, que pesa os fatores, que caminha com vagar e olhar cauteloso.

São muitas as definições possíveis.

A definição que prefiro indica duas qualidades indispensáveis para um homem prudente. Primeiro, é aquele que identifica, antes de todos, os riscos do caminho escolhido. Segundo, é aquele que trabalha antes e com todos, para evitar esses riscos, e o caminho poder passar.

Este homem, este cidadão, este estilo, é, e foi, o de Marco Maciel.

Há uma tremenda falta da política e do exemplo de Marco Maciel, em Pernambuco, no Brasil, e porque não no mundo de hoje, lembraria Marcos Vilaça.

Prudente não quer dizer devagar ou excessivamente cauteloso. A prudência é um movimento e não uma paralização. Antes, é antevisão, persistência e segurança no caminhar.

Todos de minha geração, e da dele, têm sempre uma história positiva a contar sobre esse seu modo Maciel de ser. Também tenho a minha história vivida por meio dele.

Início da década de oitenta, a seca tangendo os severinos para o Recife, hoje diríamos sem-tetos. Cerca de dois mil ocuparam, da noite para o dia, os terrenos vazios, debaixo dos cabos elétricos da Chesf, dentro do Recife.

Os advogados da Chesf imediatamente entraram na justiça, e conseguiram a liminar para expulsar os moradores. Reintegração de posse. Não somente não lhes pertenciam as terras, como corriam os invasores risco de vida se um cabo de alta tensão se soltasse.

Contra os advogados da Chesf, defendendo os severinos, estava a Comissão de Justiça e Paz, com Dom Helder Câmara e Pedro Eurico de Barros, seu advogado.

A Chesf esqueceu que, concedida a liminar, caberia ao governador mandar a Secretaria de Segurança removê-los. O governador era Marco Maciel.

Esqueceram que não fazia parte de sua prudência usar a força policial para expulsar os que não tinham onde morar. Maciel avisou ao juiz que violência não usaria, que não iria cumprir a ordem. O juiz e as partes que imaginassem outra solução.

Assim foi feito. O juiz chamou os dois advogados – da Chesf e dos invasores – e abrindo uma gaveta colocou lá dentro o processo, fechou, e disse algo assim: “Só decido, depois de vocês entrarem em acordo. ”

Os advogados ficaram perplexos. O juiz decidir, não iria.

Chesf e Dom Helder, ambos sem saída, entraram em acordo. A violência foi evitada. A prudência prevaleceu. Os então sem teto acabaram obtendo alguma terra pública onde morar.

Não restam dúvidas que foi solução, digamos, pouco ortodoxa do ponto de vista legal. Um governador se recusar a usar da força militar que tinha dever de garantir a ordem.

Mas não restam dúvidas que foi ato de prudência e paz, sobretudo a estimular e tornar o diálogo inevitável às partes. As partes contrárias, então, conciliáveis agora.

Não se tratava, para Marco Maciel, de um teste de afirmação de seu poder indolor. Nenhum poder é indolor. Mas de como usá-lo, isto é, a força policial, a letra fria da lei, sem dor. A favor do diálogo e da justiça social.

Conciliaram-se.

Poder? Sabendo usar, não vai faltar. Quanto menos se usa, mais se tem.

Há escassez da prudência de Marco Maciel em 2018. Capaz de induzir brasileiros a serem os somatórios de si mesmos.