Artigo publicado no SUPRA, em 20.12.2017 ( Acesse aqui )

Fim de ano, momento de balanços e avaliações.

Do ponto de vista das instituições da democracia, 2016 foi o ano de substituição da Presidência da República pelo impeachment. 2018 será o ano de substituição da Presidência e do Congresso pelas eleições. 2017 foi o ano da substituição do Procurador Geral da República Rodrigo Janot por Raquel Dodge.

Errou quem acreditava que na substituição de Rodrigo Janot prevaleceria a fórmula: PGR = Raquel Dodge – Rodrigo Janot. Aquela, contra esse.

Esse erro não foi gratuito. Foi tentativa externa, frustrada, de diminuir a importância do trabalho de Janot e sua equipe e controlar o futuro de Raquel Dodge.

Subordiná-la ao grupo político que, na Presidência e Senado, a nomeou. Como se fosse possível, ao controlar o chefe, comandar a instituição: MPF.

Não foi.

Vamos aos fatos.

Raquel Dodge pediu a prisão de Geddel Vieira e a prisão domiciliar da sua mãe. Peticionou contra o status de ministro para o Secretário Moreira Franco. Acusou Romero Jucá de ilícitos. Grupo íntimo da Presidência.

Pediu a condenação de Gleisi Hoffmann. Solicitou a anulação do ato da Assembleia do Rio de Janeiro que soltou Jorge Picciani e outros. O Rio é cidade sem lei, afirmou. O Supremo não concordou. Com o voto de Cármen Lúcia, soltou os deputados e, por tabela, absolveu Aécio Neves.

Defendeu Eduardo Pelella, ex-chefe de gabinete de Rodrigo Janot. E mandou a Polícia Federal apurar a origem dos ilegais vazamentos que ofendem o direito de defesa.

Mais ainda. Solicitou ao Supremo que os ministros agilizassem em seus gabinetes os processos que parados estão, com grave risco de prescrição. Ou seja, avisa ao Supremo que ele pode estar descumprindo, por omissão, seu dever constitucional. Em vez de julgar, não julgar.

Estima-se que em seu curto período, Dodge já tenha encaminhado centenas de posicionamentos ao Supremo. A agilidade que reclama, demonstra. Aliás, a virtude se demonstra na ação, já dizem os pragmáticos.

Ou seja, a Procuradora tem contestado tanto a equipe de Michel Temer, quanto membros do PT e do PSDB. Não há partidarização.

De onde vem esse erro de avaliação?

Aqueles que tentaram influenciar o curso de Raquel Dodge a opondo a Rodrigo Janot talvez tenham acreditado que, como mulher, ela estaria mais vulnerável a pressões.

Erraram.

Como tantas outras de sua geração que agora chegam a posições de grande poder no governo, na sociedade civil, nas empresas, Dodge precisou enfrentar muitas pressões ao longo de sua carreira. Não o tivesse feito, não estaria onde está.

Podem também ter pensando que temos uma PGR de vaidades, em que cada novo ocupante precisa fazer de si novidade, em contraste com o trabalho desenvolvido por seu antecessor.

Como se uma única pessoa se sentisse, e com razões para tanto, mais importante que a instituição.

Pensaram, talvez, que daria mais importância e fidelidade a quem a nomeou – o Presidente e o Senado – do que à trajetória de sua instituição, o Ministério Público, que sem autonomia funcional e independência política, vira cinzas da esperança democrática. Que Dodge veria sua indicação como uma benesse instrumental, não como resultado de sua carreira.

As origens do erro de avaliação são muitas e não excludentes. Todas, porém, igualmente frustradas pelos fatos.

Essa feliz frustração revela muito – sobre Dodge, sobre quem pensava influenciá-la, e sobre o momento em que vive o Brasil.

Desconheceram por completo o seu comprometimento com os direitos humanos, desde sempre aqui no Brasil e depois nos seus estudos e pesquisas em Harvard.

Raquel Dodge responde não somente ao Brasil, mas às suas próprias escolhas, à sua própria história, a sua instituição, como devem responder profissionais prudentes e sensatas.

E sabe muito bem que hoje em dia defender direitos humanos é mais além do que defender o direito das minorias, combater a tortura e tanto mais, como foi na década de setenta ou na década de noventa.

Hoje a defesa dos direitos humanos é sobretudo a defesa econômica e política dos direitos não individualmente, mas de todos, da coletividade. Inclusive o direito de viver em uma sociedade sem corrupção ou onde o combate à corrupção seja eficaz.

E 2018?