Artigo publicado no jornal O Globo, em 03.08.2017

Existe algo comum, nem sempre perceptível, entre o Brasil, Estados Unidos e Inglaterra neste momento. São países que estão vivendo de curto prazo. Suas governabilidades estão sobre grande estresse.

Não se pode dizer com certeza como será, mesmo a médio prazo, a Inglaterra com o Brexit. Nem como serão os Estados Unidos diante de Donald Trump e as crescentes dificuldades na Casa Branca, na sua família. Nem como estaremos nós, Brasil.

Muitos acreditam que crises de governabilidade são isoláveis. Não atingem diretamente o eleitor. Ledo engano.

Ao contrário, afetam o cotidiano de todos. Os ingleses não sabem se no próximo ano viajarão livremente pela Europa. Os americanos não sabem como será seu tratamento de saúde. O brasileiro não sabe se terá emprego. E por aí vamos.

Estamos vivendo cada vez mais no curto prazo. Pode um país viver positivamente só com o hoje, sem o amanhã?

Pois é este o principal resultado da decisão da Câmara, que aliás temos de respeitar. Para obtê-la, o governo empenhou sua governabilidade, seu curto futuro. Quem sussurra isto é o próprio governo.

Já está no ar o ministro Henrique Meirelles ameaçando prováveis novos impostos. Desconfia com certeza que a prometida reforma da Previdência não deve passar. Faz cinco dias que o presidente Temer cedeu aos ruralistas. Manterá a previdência que queriam.

Como já está sendo tocado o prelúdio, entre os próprios ministros do governo, de que o teto orçamentário não será respeitado. O déficit fiscal não será contido. Governos de curto prazo são em geral governos sem força suficiente. Não conseguem implantar e concretizar as próprias metas. É quase um paradoxo esperar que governo de transição faça reformas estruturais.

Não basta que um país tenha instituições democráticas. É preciso que funcionem e que assegurem a todos uma certa estabilidade de vida, inclusive temporal.

A Câmara fez um corte no tempo. Alguns congressistas votam por liberação de recursos efêmeros. Outros votam para não serem investigados. E assim, ao chegar a 2018, tudo será diferente. Há um nítido corte de governabilidade ameaçando nossas instituições.

Às vezes, vão-se as joias e salvam-se os dedos. Às vezes, ao contrário, vão-se os dedos e ficam as joias.

Em nome de continuar governando hoje, o governo Temer pareceu abrir mão de governar amanhã.