Artigo publicado no JOTA em 09.03.2017 (Acesse aqui).

.Ao conceder o habeas corpus em favor do goleiro Bruno, que estava em prisão preventiva há seis anos e sete meses pelo assassinato de Eliza Samudio, o Ministro Marco Aurélio considerou que: “O clamor social surge como elemento neutro, insuficiente a respaldar a preventiva”.

A partir daí a questão é saber o que se entende por “clamor social”.

São duas as possibilidades pelo menos. De um lado o clamor social como indignação moral diante de um crime cujas evidências são de natureza torpe, moralmente reprováveis, repugnantes aos olhos da sociedade. Pressão para que o réu seja condenado a qualquer custo. Inclusive ao custo do direito de defesa e da razoável duração do processo.

Tem, pois, aqui razão o Ministro. Este clamor não é e não pode ser suficiente para definir a culpabilidade ou não do réu. Quem a define é a lei e a o judiciário.

De outro, no entanto, está o clamor social por uma decisão da justiça em tempo, adequada e final. Este parece ser o ponto neste caso. O clamor social que é contra a lentidão da decisão e seus efeitos injustos.

A demora da justiça já ficou evidente no caso do massacre do Carandiru. 111 mortos em São Paulo sob a custódia do Estado. Mais de duas décadas se passaram. Ninguém cumpriu pena.

O prazo médio para uma decisão liminar em habeas corpus, conforme evidencia o Projeto Supremo em Números da FGV Direito Rio entre 2011 e março de 2016 é de 42 dias. O Habeas Corpus do goleiro Bruno foi distribuído ao Ministro Teori Zavascki, e depois redistribuído ao Ministro Marco Aurélio. Sua decisão foi rápida. Em apenas 10 dias.

A decisão do Ministro Marco Aurélio está correta. Mas nunca deveria ter existido. Porque não deveria ser necessária. Sete anos depois de ter sido denunciado, e quatro anos após ser condenado em primeira instância, o judiciário deveria ter sido capaz de ter julgado definitivamente o mérito do caso de Bruno. Se absolvido, estaria solto. Se condenado, estaria cumprindo legalmente sua pena.

A prisão preventiva só se justifica para: “garantia da ordem pública e da ordem econômica (impedir que o réu continue praticando crimes); conveniência da instrução criminal (evitar que o réu atrapalhe o andamento do processo, ameace testemunhas ou destrua provas); assegurar a aplicação da lei penal (impossibilitar fuga, garantindo que a pena imposta pela sentença seja cumprida); e em caso de descumprimento de outras medidas cautelares”. O que não é o caso.

Enganam-se, pois, os que pensam que clamor social contra uma justiça de eternidades, a que não chega nunca, é contrária ao Judiciário.

Este clamor social é pelo devido processo legal em seu sentido mais amplo. Não apenas no sentido do individualismo liberal. Trata-se de incluir no princípio constitucional do devido processo legal o devido funcionamento legal das instituições democráticas: do Judiciário, inclusive.