Publicado na Folha de São Paulo no dia 26/12/2016 (Acesse aqui)

por Thais Bilenky

O Supremo Tribunal Federal tomou 18% menos decisões coletivas neste ano de atrito entre Poderes do que em 2015, acentuando uma tendência histórica de individualização das ordens na mais alta instância do Judiciário brasileiro e acirrando ânimos na classe política.

As decisões colegiadas, tomadas em plenário ou nas turmas, compostas por cinco ministros cada uma, diminuíram de 18 mil para 15 mil de um ano para o outro, enquanto o total de ordens do STF se manteve em cerca de 117 mil.

De acordo com dados oficiais da instituição, as decisões coletivas corresponderam a 12% do total em 2016. É o menor patamar desde 2010 (quando somaram 10%), último ano contemplado pelas estatísticas disponibilizadas pelo STF.

Por outro lado, as ordens expedidas exclusivamente por um ministro, tecnicamente chamadas de monocráticas, foram 3% mais volumosas neste ano em comparação com o anterior, passando de 99 mil para 102 mil.

DISTORÇÕES

A individualização das decisões no Supremo se acentua há quase duas décadas. Mas questionamentos a esse funcionamento recrudesceram em 2016, diante da crise no Brasil. Para analistas, divisões internas enfraquecem a instituição.

“A estratégia do Supremo de fragmentação, com a existência de 11 Supremos decidindo, tem criado crises políticas. Mas não tem aumentado a eficiência operacional”, observou Joaquim Falcão, diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio.

“A individualização é um fracasso que pode ser revertido. Revertido pelo Supremo”, pontuou o docente.

Procurada, a presidência do Supremo Tribunal Federal não quis se manifestar.

Um dos casos recentes que expôs divergências decorreu da determinação do ministro Marco Aurélio Mello de afastar Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado, em 5 de dezembro.

Em atitude criticada, a Casa optou por ignorar a ordem judicial, argumentando que era, não apenas monocrática, como ainda liminar –ou seja, provisória.

Liminares, pela regra, devem ser submetidas a órgão colegiado. No caso de Renan, essa previsão foi cumprida e, dois dias depois de emitida, a ordem de Marco Aurélio foi à votação no plenário do STF e o afastamento, revertido.

O episódio, ainda assim, provocou novas manifestações públicas de desentendimento entre o ministro Gilmar Mendes e colegas de tribunal, além de insatisfações em outros Poderes.

Nem sempre o protocolo de julgamento colegiado de uma liminar é seguido, porém. Como o regimento do STF não estabelece um prazo para análise, decisões que deveriam ser provisórias vigoram, muitas vezes, por anos a fio.

A despeito de controvérsias recentes, o número de liminares oscilou relativamente pouco nos últimos seis anos, variando de 3.000 (em 2010) a 2.300 (2016).

EXCESSOS

Para Falcão, a interpretação do sistema recursal brasileiro feita pelo Supremo inviabiliza o trabalho no órgão. Por alto, ele estima que cada ministro teria de ler 3.000 páginas por dia útil para dar conta dos processos de sua competência.

“É impossível que um ministro leia essa quantidade de páginas por dia, mas o dever de leitura do ministro é direito do cidadão”, argumentou.

“O Supremo já poderia ter diminuído seu trabalho por meio de rigoroso juízo de admissibilidade, de aplicação de multas por litigância de má-fé, agravos infundados e tantos outros. O Supremo não opta por esse caminho. Poderia optar, se houvesse um mínimo de coesão interna.”

Um reflexo disso é a intermitência da produtividade do Supremo, se medida pelo total de decisões, colegiadas e monocráticas, proferidas anualmente.

Houve picos, por exemplo, em 2010 (110 mil) e 2016 (117 mil) e baixas em 2012 e 2013 (90 mil em cada ano).

É verdade que a quantidade de processos protocolados também varia. Mas, em um horizonte temporal mais distante, percebe-se que o STF vem acumulando trabalho.

Em 1990, por exemplo, 19 mil processos foram protocolados, segundo dados do tribunal. Neste ano, o total saltou para 91 mil.