Artigo Publicado na Revista da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, nº 44, ano 16, fevereiro.março.abril, 2016

O Brasil tem cerca de 15 mil unidades judiciárias de 1º grau e 15 mil juízes de primeira instância. Por que a 13ª vara federal de Curitiba se tornou capaz de mudar os destinos do país? De onde vem seu poder?

O senso comum diria que vem da magnitude da ação penal e dos ilícitos que julga. É verdade. Mas não é tudo.

Propomos sete observações.

Primeiro, trata-se de nova geração de juízes, procuradores e policiais federais. Foram educados sob a constituição de 1988,  do estado democrático de direito.  Tem cerca de 40 anos, pouco mais.

Fizeram concurso público. Ocupam cargos por mérito. Têm sido bem remunerados. Usufruem do status social do estado de democrático de direito.

Segundo, são tecnologicamente funcionais. Maximizam o uso de banco de dados e Big Data. Extraem inteligência de números.  Quanto mais jovem, melhor o juiz lida com a tecnologia da informação.

Terceiro, conseguiram fazer convergir, dentro das diferenças legais,  magistrados, procuradores e policiais federais. A pauta não é “quem está invadindo a competência de outro” é “a eficiência do team work”.

A solidão do magistrado no seu livre convencimento,  passa a ser apenas um momento no processo de colaboração coletiva.

Quarto, maximizaram  a cooperação internacional, na área bancária e das finanças. Criada  para combater o terrorismo, a cooperação  teve como subproduto o combate à corrupção global.

Engana-se quem pensa que a corrupção é  apenas brasileira. Não é. É global.  É  mal du siècle. O ex-presidente Nicolas Sarkosy reponde a processo. Liliane Bettencourt, a senhora mais rica da França, também. O Ministro do Orçamento francês, Jérôme Cahuzac, renunciou pois tinha conta não declarada na Suíça. José Sócrates ex-premier de Portugal passou 9 meses preso.

Os recentes Panama Papers envolvem as maiores autoridades russas, chinesas, empresários da Noruega e já fez renunciar o primeiro ministro da Islândia. David Cameron, na Inglaterra, até hoje tenta minimizar os danos políticos da conta que sua família tinha.

Sem falar na manipulação do mercado de câmbio pelos maiores bancos privados do mundo. E Cristina Kirchner conduzida a depor por suspeitas de corrupção.

Toda a estrutura aparentemente legal e inalcançável de offshores, de conflitos de jurisdição, de sociedades jurídicas acumulativas parece ruir diante da cooperação internacional.

Quinto, o grupo de Curitiba com a delação premiada e acordos de leniência, conseguiu um fluxo de informação que impulsiona o processo e ao mesmo tempo o expande.

É verdade que se questiona as delações, as prisões preventivas decretadas, as testemunhas conduzidas coercitivamente. Alega- se  que ferem o devido processo legal e os direitos humanos.

Esta discussão na prática, porém é resolvida por recursos aos tribunais superiores, que têm confirmado as decisões de primeira instância.

O sexto comentário deste decorre. O grupo de Curitiba tem lidado com fatos muito mais do que com abstrações jurídicas. Doutrinas ficcionais.

Fatos viram informações. Informações viram notícias. Notícias  mobilizam autoridades judiciais e opinião pública.

É um extrato bancário, um documento contábil, uma gravação autorizada, um vídeo inequívoco. Não é por menos que em inglês a prova judicial se chama “evidence”. Parodiando em português: é vidente.

A opção pelo fato incontroverso em vez da doutrina retórica  faz a força do grupo de Curitiba e deixa os advogados de defesa em dificuldades. Não conseguem negar ou contrapor os fatos. Ou  dar outro significado. Esta é grande mudança na prática do direito judicial brasileiro. Menos doutrinas e mais fatos.

A estratégia dos advogados tem sido encontrar nulidades  processuais. Recursos, agravos, embargos infinitos. Ainda bem que os tribunais superiores começam a se autodefender e condenar o abuso do direito de recorrer.

A derradeira observação diz respeito a pergunta que me foi feita pelo jornal espanhol El País: “Será que o juiz Moro é imparcial? Será que ele não tem uma agenda política?”.

Respondi que sim. Que ele tem uma agenda política. Que sua agenda é o combate a corrução. Que é agenda constitucional. Por isto, ele, os procuradores e policiais federais têm sido imparciais.