Artigo publicado no site Jota em 10.06.2015 (Acesse aqui)

Alguns alegam que o Ministro Lewandowski nada pode fazer, por uma distinção doutrinária: o prazo que regulamenta pedido de vista seria um prazo “impróprio”. Um prazo sem consequências imediatas para o processo – e, na prática, provavelmente sem consequência ou punição alguma para o juiz.

A opinião pública, espantada, perguntaria: para que serve então este prazo? Que doutrina é esta, capaz de esvaziar a utilidade, sentido, senso comum e bom senso das palavras?

Um prazo judicial de faz-de-conta não é um problema de interesse só das partes da ação. Erode condições necessárias do próprio estado democrático de direito.

Prazos impróprios não são exclusividade do regimento interno do Supremo. A doutrina formalista é pródiga em encontrá-los nos códigos de processo. Com isso, na prática, ajuda a encobrir privilégio sem nome: juízes podem não obedecer às leis que o Congresso produziu.

É isso mesmo? Por quê?

Em última instância, argumentam, porque, diante do volume e complexidade dos processos, preclusão e punição só podem ser realisticamente aplicadas às partes. E não ao juiz, que, na prática, não teria como segui-los. São prazos irreais.

A desobediência não dependeria da vontade ou laboriosidade do juiz. Por isto,o juiz não poderia ser responsabilizado apenas por ter descumprido o prazo. Será?

Mesmo que os prazos escritos sejam irrealistas como política geral para o judiciário, o caminho do estado de direito seria mudar a lei, e não desobedecê-la. Mas há mais: sequer parece ser esse o caso.

O Ministro Mendes já declarou que quem deve decidir o financiamento de campanha é o Congresso. Retém, pois, o pedido de vista por vontade própria, escolha estratégica individual, para não perder na votação interna e, assim, dar tempo para o Congresso votar a questão.

Ao justificar sua desobediência voluntária, com o argumento de que se deve esperar pelo Congresso, ou de que esta ação seria uma manobra encoberta do PT, o Ministro está, na verdade, votando fora dos autos, do plenário e da sessão.

Temos então dois processos e dois Supremos. Um formal e outro real. O Ministro Lewandowski preside aquele. O Ministro Mendes, este. E este, veta aquele.

E isso mesmo que o Ministro Lewandowski visivelmente entenda que o Ministro Mendes faz política através dos votos. Como aconteceu na sessão plenária de 27 de maio. Um visivelmente contrariado Ministro Lewandowski acusou o Ministro Mendes de fazer política com seu voto.

Reconhecer e explicitar essa tensão entre o político e o legal é decisivo para a cidadania, para os advogados e para todos os que pensam o direito brasileiro.

Um constitucionalismo de realidade, que pretenda entender e explicar o processo decisório do Supremo e suas relações com os demais poderes e a sociedade, explicar o funcionamento efetivo de nossa jurisdição constitucional, não pode se satisfazer com doutrinas formalistas como a do prazo impróprio.

É preciso identificar a genética e instrumentalidade antidemocrática destas formulações jurídicas. Este é o ponto decisivo.

Por meio de aparência legalista, pretende-se encobrir unilateral ato autoritário, que corrompe o modelo de organização colegiada do Supremo, a regra da maioria e a separação dos poderes.

Se um piloto não respeita os prazos para agir, coloca em risco o avião e os passageiros. Se um empregado não respeita o horário de trabalho, pode perder o emprego. E um ministro do Supremo? Que mensagem envia para a opinião pública, eleitores e todos os juízes do Brasil?

Não se trata de ser contra ou a favor do financiamento público de campanha. Trata-se de ser contra a captura individual de autos de decisão judicial, assistida pela inação da Presidência e do próprio Ministério Público.

Se o Supremo assim continuar, paralisado e internamente constrangido como estão vários ministros quando dele a democracia precisar, vai faltar.

Parafraseando Hannah Arendt, o direito estará inundado pela banalização do mal do autoritarismo judicial pretensamente encoberto por doutrinas formalistas. Sem compromisso com o estado de direito.

Pressionado pela opinião pública, mídia, juristas, estudantes e congressistas, o Ministro Mendes diz que vai devolver os autos agora em junho. Mas o dano à legitimidade e imagem do Supremo já foi feito.