Artigo publicado no site Jota em 19.02.2015 (Acesse aqui)

por Felipe Seligman

Há exatos 10 anos, com a Emenda 45 já em vigor, o Poder Legislativo começava a se debruçar sobre diversos projetos de lei com o objetivo de regulamentar as mudanças constitucionais recém sancionadas e de reformar códigos de processos pra lá de desatualizados.

Esse conjunto ficou conhecido como o Primeiro Pacto Republicano, assinado em dezembro de 2004 pelos então presidentes da República, Luiz Inácio Lula da Silva; do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim; do Senado, José Sarney; e  da Câmara, João Paulo Cunha (que depois veio a ser condenado na Ação Penal 470 – o mensalão).

O pacto, que tinha como objetivo construir um Judiciário mais rápido e republicano,  foi bem registrado na época, mas poucos entendem como ele surgiu. Ainda menos gente sabe o papel do professor Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da FGV-Rio, neste processo.

Essa história começa ainda em 2002, quando Lula e José Serra disputavam a eleição presidencial. Ainda sem saber quem seria o eleito, Falcão publicou, no dia 20 de outubro daquele ano, um artigo intitulado “Por um novo Ministério da Justiça”, chamando a atenção para a necessidade de o Poder Executivo ter como objetivo participar do processo, como protagonista, da modernização da Justiça.

O texto começava com uma crítica contundente ao Ministério da Justiça. “Quando perguntamos quais as áreas de atuação do Ministério da Justiça, não são poucos os que respondem ‘da tanga à toga’. Tantas e tão desconexa s são as áreas: índios, automóveis, prisões, juízes, cartéis, monopólios, entorpecentes, ONGs, direitos humanos, mulheres, espetáculos públicos, polícias, passaportes, arquivos e por aí vai”.

E continuava: “Na verdade , a atual feição do Ministério parece ser a soma ou diminuição, não necessariamente lógicas, de pelo menos três fatores históricos. Primeiro, a perda da função principal de articulador político-institucional do Poder Executivo. Segundo, a incorporação, no correr de sua trajetória, de vários outros ministérios e órgãos, como o antigo Ministério do Interior. Terceiro, as crescentes necessidades de segurança pública, a ponto de se propor a dividi-lo, criando-se um novo Ministério ou Secretaria da Segurança Pública”.

O professor Joaquim Falcão aproveitava a ocasião para defender a necessidade de foco. Em resumo, o Ministério precisava exercer a função “por ninguém exercida, por todos querida e indispensável ao país”. “Refiro-me à modernização da administração da Justiça, que é muito ampla, embora comece pela reforma do Poder Judiciário”.

Naquele fim de outubro, Márcio Thomaz Bastos leu o jornal como de costume e registrou o artigo. Estava em seus planos, caso Lula vencesse as eleições e ele assumisse o ministério, retomar o debate sobre a Reforma do Judiciário e aquele texto, segundo me contou em entrevista para o livro “10 anos de Transformação”,  encaixava perfeitamente com suas ideias. Dias depois, veio o resultado eleitoral.

Assim que assumiu o Ministério, Thomaz Bastos passou a ouvir Falcão constantemente. Nos primeiros meses, discutia com o professor quem deveria ser o nome para ocupar a Secretaria da Reforma do Judiciário. Na época, Joaquim Falcão chegou a sugerir o então presidente da Ajufe e hoje governador do Maranhão, Flávio Dino. Márcio gostava muito do maranhense, mas, por simbolismo, preferia não dar o cargo para alguém da magistratura. Acabou optando por Sérgio Renault. Posteriormente, Dino acabou virando secretário-geral do CNJ, local onde Falcão foi conselheiro.

O tempo passou e as conversas continuavam. A Emenda 45 foi aprovada, mas desde o início das conversas, Falcão batia em dois pontos que julgara ainda mais relevante. 1) Não bastava mudar a Constituição, a Reforma precisaria englobar mudanças processuais; e 2) as sugestões não podiam ficar restritas a propostas do Executivo, seria necessária uma união — um Pacto Republicano entre os três poderes para a melhorar a Justiça brasileira.

Isso mesmo, foi de Joaquim Falcão a ideia de fazer o pacto, que precisaria reunir propostas vindas do Executivo, Legislativo e Judiciário. O Pacto, anunciado no dia 16 de dezembro de 2004 no Palácio do Planalto, reunia projetos que tramitariam separadamente. Isso foi ideia de Nelson Jobim. Construir um grande projeto dificultaria a tramitação e o melhor era picotar e buscar textos já propostos dentro do Congresso, que poderiam ser analisados isoladamente, dificultando a articulação contrária e reduzindo polêmicas.

Do Pacto resultaram mudanças no código do processo penal, como alterações no procedimento do juri, nas medidas cautelares, e nas provas; no código trabalhista, como a autentificarão de cópias, rescisória e execução trabalhistas; e na área civil, com a regulamentação da Súmula Vinculante e Repercussão Geral, além da criação de processos repetitivos, súmula impeditiva, entre tantas outras mudanças.

Não é que a situação esteja resolvida, pelo contrário. Mas é importante observar como, há dez anos, os três Poderes viviam um momento muito diferente do atual, mais articulado e colaborativo, possibilitando, inclusive, a participação acadêmica efetiva, como a do professor Joaquim Falcão, na discussão institucional do país.