Conselho Nacional de Justiça

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS n. 200710000003002

Requerente: Instituto Bezerra da Rocha de Estudos Criminais – Ibrecrim

Interessado: Manoel Leonilson Bezerra Rocha

Requerido: Ari Ferreira de Queiroz – Juiz de Direito

Tribunal de Justiça do Estado de Goiás

EMENTA:

Magistrado exerce outras atividades além da magistratura. Magistério. Entrevistas em rádio. Participação em sociedade de ensino, pesquisa e comercialização de livros jurídicos. Publicidade das informações sobre atividades extra-magistratura dos magistrados. Obrigatoriedade de os tribunais informarem ao CNJ e a interessados.

Resoluções 07, 11 e 34 deste CNJ.

LOMAN art. 36, I, II e III.

– É permitido o exercício do magistério, desde que a carga horária seja compatível com a necessária para o exercício da magistratura. Critérios na esfera discricionária de cada tribunal.

– É permitida a coordenação acadêmica de cursos de direito.

– Magistrados podem conceder entrevistas ou participar de programas de rádio, desde que não seja atividade remunerada e que não viole o art. 36, III, da LOMAN.

– É vedado ao magistrado participar de sociedade que ministra cursos jurídicos, independentemente de sua formalização nos atos constitutivos, em entendimento análogo ao da Resolução 7 – Nepotismo – deste CNJ.

– É obrigação dos tribunais informar as atividades docentes dos magistrados ao CNJ, nos termos da Resolução 34, e a qualquer interessado, mediante requerimento, em atendimento ao princípio da publicidade.

RELATÓRIO

O SENHOR CONSELHEIRO JOAQUIM FALCÃO:

Trata-se de Pedido de Providências apresentado pelo Instituto Bezerra da Rocha de Estudos Criminais – IBRECRIM, sob o argumento de que o Juiz de Direito Ari Ferreira de Queiroz, titular da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Goiânia, exerce outras atividades além da magistratura:

1. professor em diversos cursos da Universidade Católica de Goiás;

2. professor em curso da UniAnhanguera;

  1. professor de curso preparatório denominado IEPC (Instituto de Ensino e Pesquisa Científica);
  1. coordenação do Curso de Direito da Faculdade Sul Americana;
  1. participação em programa de rádio, sem que se tenha notícia de remuneração, com o objetivo de promoção ou marketing pessoal.
  1. sócio-proprietário do IEPC (Instituto de Ensino e Pesquisa Científica);

O Instituto argumentou que solicitou informações ao magistrado e encaminhou ofícios, inclusive à Corregedoria Geral do Estado de Goiás, mas as representações não teriam sido recebidas. Informa que não recebeu qualquer informação a respeito da carga horária das atividades extra-magistratura exercidas pelo juiz Ari Ferreira de Queiroz.

Afirmou que estão sendo feridos princípios constitucionais, especialmente os da publicidade e da moralidade, que devem nortear a Administração Pública. Objetivamente, apontou o art. 26, II, a, § 1º da Loman, que dispõe:

Art. 26 – O magistrado vitalício somente perderá o cargo:

II – em procedimento administrativo para a perda do cargo nas hipóteses seguintes:

  1. a) exercício, ainda que em disponibilidade, de qualquer outra função, salvo um cargo de magistério superior, público ou particular;
  • 1º – O exercício de cargo de magistério superior, público ou particular, somente será permitido se houver correlação de matérias e compatibilidade de horários, vedado, em qualquer hipótese, o desempenho de função de direção administrativa ou técnica de estabelecimento de ensino.

Requereu providências.

Intimado a prestar informações, em 14/09/2007, o magistrado não se manifestou. O pedido de informações foi reiterado aos 29/10/2007, também sem resposta. Ambos os ofícios foram recebidos pelo serviço de postagem do fórum, conforme Avisos de Recebimento juntados ao processo.

Solicitei ao TJGO em 11/02/2008 que prestasse informações a respeito do cumprimento das obrigações estabelecidas pelos artigos 3º e 5º da Resolução nº 34 do CNJ, que determina a obrigatoriedade de que todas as atividades de magistério exercidas por magistrados sejam informadas à Corregedoria Nacional da Justiça.

O TJGO também não se manifestou no prazo determinado, que expirou em 25/02/2008. Mas juntou, em 03/03/2008, informações do próprio magistrado nas quais este se considera perseguido pelo requerente, sem explicar os motivos, e diz que informações relativas às atividades que exerce deveriam ser solicitadas pelos órgãos competentes, como o Ministério Público, a OAB, a Corregedoria etc. Informou, ainda, que:

  1. não recebeu as intimações anteriores do CNJ;
  1. ministra aulas às segundas, quartas e quintas pelas manhãs e quintas pela noite, em um total de 76 horas/mês;

iii.    é coordenador acadêmico do curso de direito da FASAM;

  1. não exerce atividade em emissora de rádio, embora conceda muitas entrevistas.
  1. é sócio-quotista do IEPC – Instituto de Ensino e Pesquisa Científica –, onde atua em nível de pós-graduação e preparação para concursos públicos;

Solicitei novamente, aos 16/04/2008, ao TJGO que se manifestasse em relação às informações prestadas pelo magistrado. Em 23/04/2008 o TJGO informou que:

  1. a) para o ano de 2008 o magistrado apresentou carga de 58 horas mensais de atividade docente. No ano de 2007, 76 horas mensais;
  1. b) que o expediente forense ocorre no período vespertino e que, por isso, seus horários de trabalho e de atividade acadêmica seriam compatíveis;

O TJGO juntou também cópia do contrato social do IEPC – Instituto de Ensino e Pesquisa Científica, da qual o magistrado é sócio, respondendo por 50% das quotas.

É o relatório.

DECISÃO MONOCRÁTICA

O SENHOR CONSELHEIRO JOAQUIM FALCÃO:

Limitações inerentes ao exercício da magistratura.

Este processo fixa limites para:

  1. a) atividades exercidas pelo magistrado, como ministrar aulas, coordenar cursos e participar de programas de rádio.
  1. b) sua participação societária, na condição de quotista de sociedade cujo objeto social envolva atuação empresarial voltada para profissionais do direito.
  1. c) obrigação dos tribunais de justiça de informarem ao CNJ e à sociedade as atividades de docência de seus magistrados.
  1. Aulas

Quanto às reclamações relativas às aulas ministradas, em princípio, não vejo violação das disposições da Resolução 34. Elas foram comunicadas ao Tribunal, conforme dispõe a Resolução 34, e este já declarou a inexistência de qualquer problema de compatibilidade de horários. Vejamos:

Art. 1º Aos magistrados da União e dos Estados é vedado o exercício, ainda que em disponibilidade, de outro cargo ou função, salvo o magistério.

Parágrafo único. O exercício da docência por magistrados, na forma estabelecida nesta Resolução, pressupõe compatibilidade entre os horários fixados para o expediente forense e para a atividade acadêmica, o que deverá ser comprovado perante o Tribunal.

Art. 2º O exercício de cargos ou funções de coordenação acadêmica, como tais considerados aqueles que envolvam atividades estritamente ligadas ao planejamento e/ou assessoramento pedagógico, será admitido se atendidos os requisitos previstos no artigo anterior.

Além disso, o magistrado alega ter bom desempenho nas atividades judicantes, sendo considerado pelo Corregedor-Geral “em dia com os serviços” e, pelo Presidente, “diligente e altamente qualificado”.

Portanto, os limites para o exercício da docência, desde que não prejudique o exercício da magistratura, encontram-se na esfera de discricionariedade dos tribunais.

  1. Coordenação de curso de Direito

A Resolução 34, art. 2º § 1º, proíbe o exercício de cargo ou função administrativa ou técnica em estabelecimento de ensino:

Art. 2º O exercício de cargos ou funções de coordenação acadêmica, como tais considerados aqueles que envolvam atividades estritamente ligadas ao planejamento e/ou assessoramento pedagógico, será admitido se atendidos os requisitos previstos no artigo anterior.

  • 1º É vedado o desempenho de cargo ou função administrativa ou técnica em estabelecimento de ensino.

Este controle deve ser feito pelo TJ e informado ao CNJ nos relatórios previstos na Resolução citada.

Não há vedação, entretanto, ao exercício da coordenação de curso de Direito, desde esta que seja de planejamento e/ou de pedagogia.

Segundo informações prestadas pelo magistrado, a coordenação exercida teria caráter meramente acadêmico, com horário flexível e sem sua participação em conselhos, como o Conselho Acadêmico.

Não vislumbro, portanto, a existência de irregularidades quanto à coordenação acadêmica exercida.

iii.    Participação em programa de rádio

A participação periódica e não profissional em programa de rádio não encontra nenhuma vedação em nossa legislação ou mesmo nas normas editadas por este CNJ.

O próprio magistrado nega exercer qualquer atividade regular ou profissional em emissora de rádio. Informa, sim, que concederia muitas entrevistas e participaria voluntariamente de programa de rádio, mas sem qualquer remuneração.

Não vejo, portanto, irregularidades na participação do magistrado em programas de rádio. Ao contrário, sempre que se comunicam com a comunidade para explicar e difundir o Estado Democrático de Direito e os direitos da cidadania, os magistrados exercem ação de responsabilidade social.

Estas atividades são limitadas, no entanto, pelo art. 36, III, da LOMAN, que assim dispõe:

Art. 36 – É vedado ao magistrado:

III – manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.

Inexiste nos autos qualquer comprovação de descumprimento de tal dispositivo.

  1. Ser sócio-proprietário do Instituto de Ensino e Pesquisa Científica

Aqui, a questão é: o magistrado, mesmo não exercendo qualquer das atividades previstas no art. 36 I e II da LOMAN, pode participar de sociedade voltada à preparação e formação de profissionais da área jurídica?

Para responder a esta pergunta, é preciso saber o que é o Instituto de Ensino e Pesquisa Científica Ltda. – IEPC. Conforme seu contrato social:

  1. é sociedade limitada, com objeto assim definido: “O objetivo da sociedade é a prestação de serviço de ensino em geral, pesquisa científica e levantamentos estatísticos, promoção de eventos culturais (ilegível), treinamento profissionalizante, planejamento e comércio varejista de livros e (ilegível) cursos em geral”;
  1. forma profissionais jurídicos e tem entre seus clientes advogados, juízes, promotores ou candidatos às magistratura e/ou promotoria etc;
  1. seu mercado de atuação coincide com o local em que trabalha o magistrado: o Tribunal de Justiça de Goiás;
  1. os únicos sócios são Eliane Piza de Queiroz e o magistrado Ari Ferreira de Queiroz;
  1. “tendo em vista o reduzido número de sócios, as deliberações sociais serão sempre tomadas em reunião”.

Antes de analisarmos o caso específico do Brasil, merece destaque a legislação de tal situação em outros países.

Em Portugal, os magistrados estão submetidos ao regime de exclusividade, ou seja, não podem desempenhar nenhuma outra atividade profissional, com exceção da docência e pesquisa de natureza jurídica: (a) não remunerada e (b) autorizada pelo Conselho Superior da Magistratura.

Assim dispõe o Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei 21/85 de 30 de Julho):

Artigo 13º

(Incompatibilidades)

  1. Os magistrados judiciais, excepto os aposentados e os que se encontrem na situação de licença sem vencimento de longa duração, não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, e ainda funções directivas em organizações sindicais da magistratura judicial.
  1. O exercício de funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica carece de autorização do Conselho Superior da Magistratura e não pode envolver prejuízo para o serviço.

Na Espanha, assim como em Portugal, proíbe-se a participação em sociedades.

Ley Orgánica 6/1985, de 1 de julio, del Poder Judicial.

CAPÍTULO II.

DE LAS INCOMPATIBILIDADES Y PROHIBICIONES.

Artículo 389.

El cargo de juez o magistrado es incompatible:

  1. Con los empleos o cargos dotados o retribuidos por la Administración del Estado, las Cortes Generales, la Casa Real, Comunidades Autónomas, provincias, municipios y cualesquiera entidades, organismo o empresas dependientes de unos u otras.
  1. Con todo empleo, cargo o profesión retribuida, salvo la docencia o investigación jurídica, así como la producción y creación literaria, artística, científica y técnica, y las publicaciones derivadas de aquella, de conformidad con lo dispuesto en la legislación sobre incompatibilidades del personal al servicio de las Administraciones Públicas.
  1. Con el ejercicio de toda actividad mercantil, por si o por otro.
  1. Con las funciones de director, gerente, administrador, consejero, socio colectivo o cualquier otra que implique intervención directa, administrativa o económica en sociedades o empresas mercantiles, públicas o privadas, de cualquier género.

Nos Estados Unidos, o juiz não pode emprestar o prestígio de seu cargo para promover interesse privado:

Canon 2 B do Code of Judicial Conduct: “a judge should not lend the prestige of his office to advance the private interests of others.

E, na opinião do Ethics Advisory Comitee de Utah, a docência remunerada seria proibida justamente por caracterizar o uso do prestígio do cargo para proveitos privados.

The Ethics Advisory Committee has been asked for its opinion on this a question: Whether the Code of Judicial Conduct prohibits a judge from teaching a course for a continuing legal education seminar that is being operated by a private for-profit group composed of attorneys.

It is the committee’s opinion that the answer is yes, since teaching would lend the power and prestige of the judicial office to advance the financial interests of the for-profit group sponsoring the seminar.

The subject-matter of the course is not a problem since judges are permitted to teach classes concerning the law. The Code of Judicial Conduct provides.

A judge, subject to the proper performance of his judicial duties, may engage in the following quasi-judicial activities…

 

(A) A judge may speak, write, lecture, teach, and participate in other activities concerning the law, the legal system, and the administration of justice.

In Advisory Opinion No. 1, the Federal Advisory Committee on Judicial Activities found it was permissible for a judge to participate as a faculty member at a university law school, provided the judge’s teaching duties did not in any way interfere with the performance of his or her judicial duties.

This conclusion is repeated in Advisory Opinion No. 7, which states that a judge may participate as a faculty member at the National Judicial College provided there was no interference with his judicial activities.

It is significant that neither the university nor the National Judicial College are private for-profit organizations. In that respect, these opinions are distinguishable from the facts presented by this opinion, since the seminar at issue here is sponsored by a for-profit group.

(INFORMAL OPINION NO. 88-6)

Este é exatamente o núcleo sensível que importa analisar. Pode um juiz contribuir com o prestígio de seu cargo, que é público, para beneficiar os interesses privados seus e/ou de outros?

Quanto à situação no Brasil.

No Brasil, não há dúvida de que os magistrados podem dar aulas, sejam isoladas ou em cursos regulares, remuneradas ou não. Aliás, eles não só podem como devem participar das atividades docentes do ensino jurídico. E é bom que seja assim. As Escolas de Direito são, ainda, as matrizes principais da formação dos magistrados. As habilidades profissionais, o raciocínio jurídico, e mesmo os valores dos advogados e dos membros do Ministério Público são distintos daqueles dos magistrados. Refletir e ensinar a pluralidade profissional para onde destina seus bacharéis é importante tanto para o futuro exercício da magistratura quanto para as próprias faculdades de Direito.

A questão, portanto, não diz respeito ao exercício ou remuneração da atividade docente, ainda que alguns países proíbam esta remuneração. A questão é decidir se, no caso de participação societária, o magistrado estaria emprestando o prestígio de seu cargo público, de alguma maneira que não na mera docência, para beneficiar, financeiramente ou de outro modo, agentes privados, inclusive ele próprio.

Cabem aqui duas considerações preliminares.

Primeiro, há que se distinguir a natureza do sujeito: (1) magistrado como pessoa física de direito privado e (2) magistrado como cargo de direito público. O que estamos analisando não é o prestígio do indivíduo, mas o uso pelo indivíduo do prestígio do cargo público.

Segundo, há que se distinguir a natureza do objeto:

(i) a participação como quotista ou acionista em entidade na qual ser magistrado não traga benefícios, como por exemplo, acionista da Petrobrás, quotista de um restaurante, ou de outra sociedade empresarial não-relacionada ao Poder Judiciário. Neste caso, não existe benefício que, direta ou indiretamente, decorra do cargo de juiz. Não é este o caso que estamos analisando. Estas participações são absolutamente legítimas e não-vedadas por lei.

(ii) Há casos, porém, como o caso em questão, no qual temos de analisar se a participação do magistrado como quotista ou acionista traz benefícios para a sociedade e quais seriam eles. Para tanto, precisamos entender que uma sociedade não é avaliada apenas pelo seu capital financeiro objetivo e determinado. Há diversos elementos intangíveis compondo o “estabelecimento” da empresa, como sua marca (Coca-Cola, Microsoft, IBM, GE, McDonald’s etc), patentes que detenha, fatia do mercado ou marketshare, solidez contábil, independência interna e de seus clientes de fatores voláteis do mercado, como câmbio, contratos de curta duração etc.

O teste a ser feito deve visar a determinar se a participação do magistrado contribui para a formação do “estabelecimento” da sociedade.

Devemos notar que o Direito Empresarial passou por profundas alterações quando da promulgação do Código Civil – CC de 2002.

Esta é a caracterização atual das sociedades em geral:

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

E esta, a das sociedades anônimas, situação específica de sociedade:

Art. 1.088. Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir.

É bastante clara a diferença entre sociedades em sentido geral e as anônimas. Nas primeiras, as pessoas se obrigam, umas com as outras, a contribuir com bens e serviços; nas segundas, não há tal obrigação recíproca. Naquela existe participação individualizada ou individualizável na sociedade. Nesta, não.

Assim dispõe o art. 36, I, da LOMAN:

Art. 36 – É vedado ao magistrado:

I – exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista;

O “ exceto como acionista ou quotista” prevê que o magistrado pode participar de sociedade empresarial, desde que exclusivamente como acionista ou quotista, ou seja, de forma não individualizável. De modo que a pessoa física não se utilize do prestígio gozado pelo magistrado como titular de um cargo público.

Entretanto, quando o magistrado participa de forma individualizável em sociedade com objeto de atuação justamente no Poder Judiciário, este está claramente exercendo ato de empresa, já que o prestígio de seu cargo está sendo utilizado para buscar lucros, contrariando, portanto, as proibições legais.

A imagem, o prestígio e até mesmo a eventual influência do magistrado como titular de cargo público acrescenta valor à sociedade. O papel do magistrado é um bem com valor em situações específicas. Passa a ser ativo intangível dela. É exatamente a hipótese prevista no art. 981 do CC citado acima, na qual a pessoa contribui “ com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. No caso, o magistrado não é simples acionista ou quotista; ele contribui com a imagem, com o prestígio de um cargo público, para o resultado financeiro da sociedade limitada privada com fins lucrativos.

Os profissionais do direito, ao contratarem um curso jurídico que sabem ser de um magistrado, podem, também, o estar fazendo em decorrência de uma preferência velada pelo “curso do juiz”.

E os indicadores são vários: (a) a sociedade da qual participa o juiz Ari Ferreira de Queiroz prepara profissionais para o mercado na mesma área de atuação do Tribunal de Justiça de Goiás; (b) candidatos que podem, em algum momento, prestar concurso público no mesmo Tribunal em que atua o magistrado sócio.

Difícilmente, em uma época de forte competição, o prestígio do juiz como professor e detentor de 50% das quotas do curso não contribui, voluntária ou involuntariamente, para o estabelecimento da sociedade, para o seu “fundo de comércio”, para direcionar a escolha dos alunos.

Nesta situação que analisamos ocorre:

  1. o magistrado é sócio de sociedade limitada, com participação individualizável (Part.Indiv.);
  1. utiliza seu prestígio como magistrado para acrescentar valor à sociedade (Prestígio);
  1. comercializa seus cursos na mesma área em que atua como magistrado (Área);

Sem falar que a sociedade tem finalidade comercial explícita em seu contrato social (“comércio varejista de livros e (ilegível) cursos em geral”), tendo como sócios apenas duas pessoas: Eliane Piza de Queiroz e o magistrado Ari Ferreira de Queiroz. O magistrado está, portanto, claramente exercendo atividade empresarial.

E acredito aplicar-se aqui o mesmo princípio que se aplicou na Resolução 7 – Nepotismo:

Art. 2° Constituem práticas de nepotismo, dentre outras:

V – a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação, de pessoa jurídica da qual sejam sócios cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, ou servidor investido em cargo de direção e de assessoramento.

Os tribunais não podem contratar, sem licitação, sociedades da qual sejam sócios parentes de magistrados, porque poderia haver algum tipo de favoritismo.

Ser sócio-proprietário do IEPC, na condições em que se somam a participação individualizável, o uso do prestígio e a área de atuação do magistrado (Part. Individualiável + Prestigio + Área), é incompatível com o exercício da magistratura. Entendo, portanto, serem necessários o imediato desligamento do magistrado de sua qualidade de sócio-quotista do IEPC, a desvinculação total da imagem do magistrado e do Instituto.

Princípio da Publicidade

O requerente tem razão ao alegar que o tribunal deve informar as atividades realizadas pelo magistrado. E não apenas em função do Princípio da Publicidade do artigo 37 da C.F., mas também em respeito à Resolução 34, que estabeleceu a obrigatoriedade da apresentação dessa informação pelo magistrado ao Tribunal, e deste ao Conselho Nacional de Justiça.

Este é o texto dos artigos 3º e 5º da Resolução:

Art. 3º O exercício de qualquer atividade docente deverá ser comunicado formalmente pelo magistrado ao órgão competente do Tribunal, com a indicação do nome da instituição de ensino, da(s) disciplina(s) e dos horários das aulas que serão ministradas.

Art. 5º Os Tribunais deverão informar ao Conselho Nacional de Justiça, ao início de cada ano judiciário, a relação nominal de magistrados que exercem a docência, com a indicação da instituição de ensino, da(s) disciplina(s) e dos horários das aulas que serão ministradas e as respectivas cargas horárias, sem prejuízo de outras informações.

O Tribunal de Justiça de Goiás, por meio da manifestação do magistrado, demonstrou respeitar a Resolução 34, art. 3º. Não cumpriu, entretanto, com o art. 5º.

Em respeito aos princípios da publicidade e da transparência da Administração Pública, parece-me prudente recomendar aos tribunais que disponibilizem, a qualquer interessado que se identifique, as informações relativas ao exercício do magistério ou outras atividades extra-magistratura por parte de magistrados.

  1. Conclusão

Acolho parcialmente o pedido, julgando-o improcedente com relação aos itens:

– 1, 2 e 3 (aulas ministradas), uma vez que, devidamente informado pelo magistrado sobre as aulas ministradas, o Tribunal não se manifestou de forma contrária à sua continuidade. Entendeu-as, portanto, compatíveis com a carga horária exigida pela magistratura. Nada impede, entretanto, posterior análise deste CNJ de eventuais usos indevidos, ou abusos, por parte dos magistrados, das permissões para o exercício do magistério;

– 4 – coordenação de curso de Direito -, tendo em vista o respeito à limitação de que a coordenação seja meramente de planejamento ou de pedagogia;

– 5 – participação em programas de rádio – já que só foi comprovado que o magistrado concede entrevistas e participa de programas, sem qualquer vinculação com a emissora.

Julgo procedente quanto a:

– 6 – sócio-proprietário do IEPC: determino ao magistrado que se desligue da sociedade IEPC, com a necessária desvinculação de suas imagens;

– 7 – publicidade das informações relativas às atividades exercidas pelos magistrados: deve o tribunal informar a requerente identificado as atividades de docência exercidas pelos seus magistrados;

Solicite-se à Secretaria Geral informações, no prazo de 60 dias, a respeito de quais tribunais informaram ou não ao CNJ as atividades de magistério, nos termos do art. 5º da Resolução 34.

Brasília,   agosto de 2008.

JOAQUIM FALCÃO

Conselheiro

Esse Documento foi Assinado Eletronicamente em 08 de Agosto de 2008 às 12:49:52

O Original deste Documento pode ser consultado no site do E-CNJ.