Publicado originalmente na Folha de S. Paulo no dia 09 de outubro de 2003

Conta-se que, no passado, grande dama paulista, muitas vezes milionária, um dia foi entrevistada para uma revista. Pretendiam mapear-lhe o fausto, seu modo de vida e de pensar o Brasil. A jovem repórter perguntou: “Onde a senhora mora?”. A grande dama não hesitou: “Passo metade do ano em meu apartamento em Paris. Mas, quando faz muito calor, venho direto para minha fazenda de café no interior de São Paulo, onde fico a outra metade”. E fulminou, lentamente: “Porque, você sabe, minha filha, pressa é coisa de pobre”.

Descontada a arrogância de classe, o fato é que o tempo é uma variável que conta mais do que pensamos em diversas situações de nossa vida e da vida do país. Por exemplo, numa negociação, aquele que tem pressa provavelmente terá menos chances do que aquele que não tem. Outro exemplo: em país rico, as empresas e pessoas dispõem de financiamento de longo prazo -mais de 15 anos- para construir fábricas ou comprar casa nova. Em país pobre, com raríssimas exceções, as pessoas estão no cheque especial -cerca de 30 dias- e as empresas têm financiamento para capital de giro -cerca de 90 dias. E, para comprar casa nova, nem pensar. Em país pobre, o futuro é menor.

Por tudo isso, dois grupos de eleitores, decisivos nas próximas eleições municipais, estão com pressa. Muita pressa. Primeiro, os desempregados, aqueles com renda insuficiente e aqueles com fome, contingente eleitoral expressivo. Para estes, dificilmente o discurso do círculo econômico virtuoso faz sentido. O discurso é o seguinte: temos que estabilizar a moeda, depois atrair investimentos, que vão construir fábricas, que geram receitas, que criam os empregos necessários, que só depois, transformados em salários, vão permitir ao eleitor comprar roupa, comida, remédio etc.

Infelizmente, para muitos eleitores, não há mais tempo para a boa lógica econômica dessa seqüência virtuosa.

Os últimos dados do IBGE sobre o século 20, sobretudo nos últimos 30 anos, sugerem que esse círculo econômico virtuoso dificilmente se completa. Antes de virtuoso, é incompleto. Nunca se chega plena e duradouramente ao estágio da renda distribuída com salário de crescente poder aquisitivo e empresas estáveis. Parece mais círculo vicioso.

Por isso existe na política, há já algum tempo, o entendimento de que governar é distribuir o orçamento diretamente aos necessitados. Sem intermediários. Do governo direto para o povo. Um “fast track” nacional. Chamem isso de neo-assitencialismo ou não, pouco importa. Quase todos os partidos o fazem. Os exemplos são muitos. No Rio de Janeiro é refeição a R$ 1 e remédio a R$ 1. Em São Paulo, é doação de roupa, sapato e mochila a jovens e crianças do ensino público. O programa de alfabetização do governo federal traz embutido um subprograma de distribuição imediata de orçamento: remuneram-se os alfabetizadores e, se possível, os alunos também. Mesmo que sejam R$ 10 para cada um por mês. Tudo vale a pena quando a necessidade é imediata -e é. Sem falar nos já tradicionais Bolsa-Escola e Bolsa-Família.

No México tem sido assim com sucesso. O programa “Solidariedad” distribui o Orçamento público em troca de determinados comportamentos sociais das famílias, o que inclui de educar os filhos à obrigatoriedade de as mulheres fazerem exame de câncer de mama.

O segundo grupo de eleitores com pressa são os assaltados, as vítimas de violência de todas as classes. Em passado não muito remoto, apenas ouvia-se falar de assaltos. Depois, passou-se a conhecer alguém que fora assaltado. Em seguida, todos passaram a ter alguém da família que tinha sido assaltado. Para, logo em seguida, o próprio ter sido assaltado. Hoje a pergunta corrente é: quantas vezes você já foi assaltado?

Nem se pense que estes últimos são eleitores apenas das classes médias urbanas. Não são não. A violência e os assaltos nos bairros pobres, nas favelas, nas periferias são tão freqüentes quanto nos bairros e condomínios. A reação dos mais pobres, sim, é que tem sido mais silenciosa e menos dramática -infelizmente, por causa da descrença popular nas instituições policiais e judiciais, crescente anomia social.

Os assaltados também não podem mais esperar círculos virtuosos: a criação de empregos para retirar os marginais da rua, a proibição da venda de amas adiada por anos, a insuficiência de recursos para construção de novos presídios, a reeducação, capacitação e melhores salários para a polícia.

Na questão da segurança, o que vai contar nas eleições é qual candidato mostrará, em seu currículo, mais resultados. Qual candidato tem a personalidade mais forte e, queira Deus, honra também, para enfrentar a violência? Quem tem mais coragem? Quem será capaz de fazer, mais do que de dizer?

A defasagem entre o tempo dos governantes e o dos eleitores deverá ser uma variante decisiva na próxima eleição. O futuro acabou; o que conta é o hoje.

Lorde Keynes, o ultrafamoso economista inglês, diante das múltiplas teorias econômicas de longo prazo, dizia: “A longo prazo, estaremos todos mortos”. Com o Brasil é diferente. A longo prazo, o Brasil não estará morto. O problema é sobreviver no curto prazo. Esses eleitores mandam clara mensagem a partidos e candidatos: sem o Brasil do curto prazo, esqueçam o do longo prazo. Em país pobre, o futuro é hoje.