Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, no dia 23 de maio de 2003

Quem quiser registrar um nome de domínio hoje, para ter presença na internet, paga cerca de R$ 30 à Fapesp em São Paulo. Depois, a cada ano, paga mais R$ 30 para manter o registro. Há pouco tempo esse valor era de R$ 50.

Façam a conta. Estima-se que hoje o Brasil tenha cerca de 469 mil nomes de domínio ativos. Estima-se que a Fapesp tenha arrecadado cerca de R$ 90 milhões nesses anos. Estima-se, ainda, que tenha em caixa cerca de R$ 60 milhões. Digo estima-se por que é difícil obter dados precisos. Não existe informação no site da Fapesp, nem do Comitê Gestor, nem do Ministério da Ciência e Tecnologia, nem do Ministério das Comunicações. Mais ainda: desde que o sistema começou, anos atrás, ninguém divulgou pública e sistematicamente esses dados.

Esses recursos existem e, com certeza, estão em boa ordem. Mas o acesso a eles é restrito. Não deveria ser. É informação de interesse público e nacional. Apesar de ser fundação paulista, a Fapesp presta serviço nacional a todos os brasileiros, em nome do Ministério da Ciência e Tecnologia. Do Oiapoque ao Chuí, todos pagam à Fapesp. A receita advinda desses registros cobre folgadamente os custos da fundação para esse serviço. Daí ser legítimo perguntar não só sobre a estrutura dos gastos, mas também: Como foram gastos os saldos desses recursos nesses anos todos? Quais os critérios de interesse nacional que estão sendo usados? Como serão gastos os cerca de R$ 60 milhões ainda em caixa? E os futuros superávits, que destino terão?

Essa receita, e conseqüente superávit, não pára de crescer. Não só porque a tendência é o aumento permanente, nacional e globalmente, dos usuários da internet, como também porque estão sendo criadas novas categorias de registros internacionais – como .biz, .info e .museum – que em breve podem ser adotadas pelo Brasil. Isso vai representar mudanças obrigatórias nos atuais e estímulo a novos registros. O que significa mais superávits.

Diferentemente do que possa estar pensando o leitor, não se trata de denúncia sobre o uso indevido de recursos públicos. Absolutamente não é o caso. A Fapesp é instituição séria, da maior credibilidade com serviços preciosos, competentes e relevantes a São Paulo e ao país. Mas duas razões nos levam a estimular maior divulgação desses dados.

Primeiro, porque o Brasil está repensando o seu sistema de governabilidade de internet. Repensando a idéia e a função de um comitê gestor. Sou dos que acreditam que a legalidade do atual sistema é, no mínimo, precária. Falta embasamento constitucional adequado, como o têm, por exemplo, os Estados Unidos. Mesmo assim, o governo atual estabelece o exíguo prazo de até 25 de maio de 2003 para que novas propostas de estruturação da área de internet sejam apresentadas e para definir quem vai mandar na internet no Brasil.

Mas como fazê-lo, sem antes termos os dados necessários sobre esses anos todos? Sem termos o histórico, que apenas alguns poucos têm? Como pode o médico receitar sem ter um diagnóstico com base em fatos? Como solicitar à sociedade que participe construtiva e realisticamente se informações cruciais não estão disponíveis? Um dossiê completo deveria ter sido antes distribuído ao público.

A ironia de tudo é que a internet, em princípio, veio para ampliar a comunicação entre pessoas e instituições e facilitar o acesso à informações. O que infelizmente ainda falta nesse caso.

O segundo motivo por que esses dados são necessários é para que, daqui para a frente, transparência e pública prestação de contas sejam rotina no novo sistema da internet, qualquer que venha a ser ele.

O Brasil está inserido no sistema mundial de registros da Icann, uma entidade privada, mas, no fundo, subordinada legalmente aos interesses do Departamento de Comércio do governo dos Estados Unidos. Se, por absurdo, no futuro o governo americano resolver retirar o domínio .br do atual sistema do Icann, teremos imensos problemas. Estaremos excluídos do mundo. Aliás, não é mais absurdo pensar nessa hipótese. Recentemente algumas vozes norte-americanas sugeriram tirar o .ir do sistema. Ainda bem que prevaleceu o bom senso.

A defesa dos interesses nacionais nesse sistema global da internet vai exigir do governo, da sociedade, dos cientistas brasileiros grande união e convergência de interesses. Não se trata mais, como no passado, de tarefa exclusiva de indivíduos ou de cientistas. A própria Icann está atualmente refazendo seu modelo. O Congresso Nacional, a sociedade civil, os empresários, os usuários não podem ficar isolados desse processo. Um transparente e permanente fluxo de informações mínimas é o pressuposto de tudo. Tanto para podermos reforçar e aceitar as informações estratégicas de interesse nacional que devem legitimamente ser preservadas, quanto para repensar a atual governabilidade da internet.