Publicado originalmente na Folha de S. Paulo no dia 20 de outubro de 2002.

Quando perguntamos quais as áreas de atuação do Ministério da Justiça, não são poucos os que respondem “da tanga à toga”. Tantas e tão desconexas são as áreas: índios, automóveis, prisões, juízes, cartéis, monopólios, entorpecentes, ONGs, direitos humanos, mulheres, espetáculos públicos, polícias, passaportes, arquivos e por aí vai.

Na verdade, a atual feição do ministério parece ser a soma ou diminuição, não necessariamente lógicas, de pelo menos três fatores históricos. Primeiro, da perda da função de principal articulador político-institucional do Poder Executivo. Segundo, da incorporação, no correr de sua trajetória, de vários outros ministérios e órgãos, como o antigo Ministério do Interior. Terceiro, das crescentes necessidades de segurança pública, a ponto de se propor dividi-lo, criando-se um novo Ministério ou Secretaria da Segurança Pública.

O debate presidencial tem focalizado prioritariamente mudanças nas políticas públicas -monetária, fiscal, previdenciária, educacional e outras. Mas existe um debate que o deveria preceder: a adequação ou não das atuais instituições de Estado à nova realidade brasileira e mundial. Ou seja, o debate institucional (sobre a estrutura o poder) deveria preceder o debate das políticas públicas (sobre o exercício do poder).

A Constituição modificou e/ou criou novas instituições. Algumas foram bem-sucedidas. Ganharam vida, como o novo Ministério Público, um dos guardiões dos interesses difusos e coletivos da sociedade. Outras somente agora, 15 anos depois, começam a sair do papel, como o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional. Outras nem existem ainda na prática, como o Conselho de Defesa Nacional. É nesse contexto de avaliação das instituições de Estado, na tarefa de construção da democracia, que um novo governo poderia propor um novo Ministério da Justiça.

O atual ministro, Paulo de Tarso, tem se preocupado com esse desafio. Não terá, infelizmente, tempo hábil para enfrentá-lo. O fato é que a questão de como organizar o Poder Executivo para concretizar o ideal social de justiça tem sido pouco valorizada. E, no entanto, é fundamental para a democracia e a globalização. Sem concretizar o valor justiça, não se concretiza o valor segurança pública, muito menos o valor independência nacional.
Em meu entender, existe função fundamental, por ninguém exercida, por todos querida, e indispensável ao país. Tão óbvia quanto o vácuo que hoje ocupa. Poderia retomar para o ministério sua antiga função de articulador político-institucional do Poder Executivo.

Refiro-me à modernização da administração da Justiça, que é muito mais ampla, embora comece pela reforma do Poder Judiciário. Esta é uma unanimidade nacional. A reforma do Estado não pode se limitar à privatização e a novas agências. Nada garante mais a segurança pública do que um Judiciário ágil e eficiente.

Não se trata de um novo ministério, invadindo competência do Judiciário ou do Congresso. Esse objetivo é de interesse dos três Poderes, do governo e da sociedade, da situação e da oposição. Ocorre que sua concretização é muito complexa, tantos são os caminhos possíveis, tantos são os interesses envolvidos. Se não for votada logo depois das eleições, corremos o risco de terem se passado oito anos sem a reforma de que precisamos tanto.

O Poder Judiciário não pode nem deve entrar ostensivamente na negociação política, e muita vez político-partidária, para obter a reforma desejada, porque pode comprometer sua própria independência _embora já o faça de quando em vez por necessidade imperiosa. Além de ser competência do Congresso. O Poder Legislativo, por sua vez, está sempre às voltas com uma pauta mais urgente, de curto prazo.

É preciso uma instituição que tenha como objetivo diário a permanente eficácia e modernização da administração da Justiça. Com dois fatores principais de atração.

Por um lado, debater, agilizar, negociar com o Congresso as novas leis necessárias. Por outro, canalizar recursos, financeiros e técnicos, para as milhares de experiências inovadoras que já ocorrem no dia-a-dia de nossos juízes. E que precisam ganhar escala. Um Ministério da Justiça aliado do Judiciário e do Congresso nesta tarefa diária. O que não seria pouco.