Publicado originalmente na Folha de São Paulo, no dia 20 de março de 2002.

Anuncia-se que presidentes de tribunais superiores como Paulo Costa Leite, do Superior Tribunal de Justiça, e Almir Pazzianoto, do Ministério do Trabalho, seriam convidados por partidos políticos para se aposentarem mais cedo e concorrerem às eleições deste ano. Trata-se de decisão que ultrapassa os limites dos interesses individuais dos ministros e dos partidos políticos. Interfere gravemente na imagem e na função do próprio Poder Judiciário.

Até agora, o Poder Judiciário foi resguardado da politização partidária e eleitoral. O que é indispensável para que tenha junto da população a imagem de imparcial, sem a qual não é legitimo. Mas o que acontecerá se, de agora em diante, o Judiciário for visto pelos cidadãos como trampolim para a vida política? Como explicar para o povo que no cálculo da sentença não está embutida a previsão do voto do futuro eleitor?

Inexiste até agora qualquer fato que fundamente a menor suspeita de que tal prática já tenha ocorrido ou esteja ocorrendo. Mas também nunca existiu o fato de ministros se aposentarem para, logo em seguida à aposentadoria, às vésperas de eleições, se candidatarem. Não estamos, pois, falando do presente nem do passado. Mas temos que, estrategicamente, começar a nos fazer perguntas antipáticas, para melhor entender as eventuais repercussões no futuro do Judiciário. Sobretudo porque estamos diante de uma conjuntura muito peculiar, que é a seguinte.

Hoje em dia um grande eleitor, se não o maior de todos, é a mídia. Nos últimos anos, agravando-se nos últimos meses, rompendo com tradição secular, ministros e Juízes têm freqüentemente utilizado a mídia para dar opiniões fora dos autos. Opiniões suficientemente polêmicas para conquistar primeiras páginas e até “Jornal Nacional”. Opiniões e atitudes que inclusive ferem a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que veda, em seu artigo 36, inciso 3º, que o magistrado manifeste, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais.

Não é por menos que o juiz Alderico Rocha Santos, da 2ª Vara da Justiça Federal de Tocantins, quer processar o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª região, Fernando Tourinho Neto. A partir daí daí, vai ser difícil explicar à sociedade, aos eleitores e aos próprios juízes que essa atitude inusitada não teve repercussões eleitorais.

A questão aqui não é subjetiva – se um juiz teve ou não intenção eleitoral ao ir à mídia. Com certeza, não. A questão é objetiva – a exposição na mídia, fora dos autos, tornou ou não o juiz um candidato eleitoral com chances, a tal ponto de ser convidado por partidos? Mais ainda, qual o impacto no cidadão desta vinculação, o juiz polêmico na mídia de ontem e o candidato partidário nas eleições de amanhã?  Afinal o Judiciário, como a mulher de César, além de ser imparcial, precisa parecer imparcial.

A imparcialidade do Judiciário, que se concretiza no dia-a-dia das ações dos juízes, mais do que um dever dos mesmos juízes é um direito dos cidadãos. É direito fundamental sem o qual inexiste o devido processo legal, assegurado pelo inciso LIV do artigo 5º da Constituição Federal. Por isso mesmo a Constituição proíbe qualquer vinculação político-partidária dos juízes. Esta vinculação não pode ser entendida em sentido restrito, como o ato formal de assinar a ficha partidária. Tem que ser entendida como instrumento de proteção à imparcialidade do Judiciário.

A partir daí, a discussão só pode ser uma: seria suficiente uma quarentena de, digamos dois anos, para que dúvida não pairasse nos cidadãos, sobre eventuais conseqüências eleitorais do poder de julgar?