No Rio, feijão tabelado, com fila, vale 25 cruzeiros. No Recife, sem fila e sem tabela, vale 140. Para as autoridades governamentais a crise é explicável. São os argentinos que não cumprem contratos. Safras que frustram planos oficiais. Hábitos alimentares obsoletos. Tudo se passa como se falta de feijão ensejasse explicações apenas técnicas. Como se não houvesse eleições em 1982. Em tempo de abertura, feijão não é meta, plano, projeto ou estatística oficial. Feijão é voto. A crise do feijão, no fundo, revela a crise da política econômica. Revela sua falta de representatividade democrática e a problemática confiança que inspira.

Antes da abertura, o projeto político do regime era apenas projeto econômico. O apoio do povo não seria obtido por eleições democráticas, mas pelo sucesso da política econômica. Quem tivesse casa, emprego e vaga na universidade esqueceria até a necessidade de escolher seu governador. Ora, na medida em que a economia se esfacela, o regime busca novas formas de apoio popular. Tem que se legitimar junto aos brasileiros de outra forma. Daí a importância da abertura. Troca-se a casa que o BH não construiu, a vaga na universidade que não há e o subemprego rotativo pelo momento do voto.

Neste novo contexto, a política econômica teria que se adaptar ao projeto redemocratizante. Aí é que fica difícil. Quem tem poder econômico não tem voto. Vejam só. O governo é obrigado a aceitar a elevação da taxa de juros que paga aos banqueiros internacionais e em compensação achata o salário da classe média urbana. Esta tem voto, aqueles não. Vejam outro exemplo. Até hoje, quem votou com o governo foi o Norte e o Nordeste, mas quem conduz a política econômica é o Centro-Sul. O nordestino que votou no governo paga feijão a 140. O carioca, que votou na oposição, entra na fila e paga 25.

Mas a falta do feijão não aponta apenas a falta da representatividade da política econômica. Ela coloca também outros problemas. Coincidência ou não, o feijão é um dos principais componentes do item alimentação nos índices que medem a inflação. Rio de Janeiro pesa mais do que o Recife e Fortaleza nesses índices. E mais. Segundo informações oficiais, o feijão só reaparece depois de dezembro. Com certeza a preço bem maior do que 25. Quando então já estarão fechados o ano e o cálculo anual da inflação. O feijão pode influenciar índices. Para cima ou para baixo. Para este ano ou para o próximo. Sobretudo se para efeitos de cálculo incluírem feijão tabelado a 25.

O importante na crise de feijão é que coloca no prato vazio de cada um a crise de legitimidade do regime.. Neste contexto, endurecer o governo não assegura pratos cheios de feijão, necessariamente. Muito menos canaliza o apoio popular para resolver a crise de legitimidade. Ao contrário, agrava. Daí a importância da abertura. Para o governo e para a oposição. Para a Nação. Inevitavelmente tornará não só a política mais democrática. Tornará a política econômica democrática também.

 

Recife,

Joaquim Falcão.