Por que simples desavença entre um pároco e um prefeito se transforma em crise nacional?

Por que tal desavença, segundo o Estatuto do Estrangeiro, tem que ser resolvida pelo presidente da República, exigindo decisão capaz de deteriorar as relações entre governo e Igreja, relações que o Planalto se esforça por intensificar positivamente? Isto é o que intriga no processo de expulsão do padre Vito. Por que Ribeirão, obscura cidade da Zona da Mata de Pernambuco, entra na pauta do debate político nacional?

Responder a estas perguntas é atualizar-se sobre a cena política brasileira. Para tanto, duas constatações são importantes. A primeira já foi feita por João Paulo 2.º em São Paulo: “A opção pelos pobres é uma opção cristã.” No caso, opção pelos camponeses, que até hoje não tiveram acesso a uma legislação trabalhista, devidamente eficaz. A Igreja tem o privilégio de fazer suas opções pela ótica da eternidade. Enganam-se os que reduzem esta opção a mera atitude contra ou a favor de governos. Não é opção político-partidária. É muito mais profunda. Vincula-se tanto à sobrevivência da Igreja como instituição social, quanto a uma leitura atualizada do Evangelho de Cristo.

A segunda constatação é dupla. Por um lado, constata-se o projeto democratizante do presidente Figueiredo, projeto que por definição desaguaria em eleições livres e diretas, exceto para a Presidência, em 1982. Por outro, constatam-se forças dentro do sistema contrárias a este projeto. E que depois do adiamento das eleições municipais concentram artilharia contra as diretas para os governos estaduais. Mas que, no entanto, não podem ser abertamente contra, pois o próprio Presidente continua a defender eleições diretas. Donde, a contestação tem que ser mais sutil.

Fácil agora ao leitor entender a importância do padre Vito. Na defesa apresentada à Polícia Federal, anexou-se abaixo-assinado com 14 mil assinaturas. Provavelmente, 14 mil votos. Fácil imaginar. Se, a nível de Ribeirão, a decisão do Planalto corre o risco de perder 14 mil votos, imagine-se a nível do Brasil católico?

Hoje, qualquer governador ou vereador democrático busca ganhar o apoio da Igreja. Mesmo sem disputar cargos, ou se transformar em partido político, a Igreja tem provavelmente mais votos que o PDS, ou a oposição unida. Indispor o Planalto com a Igreja é ajudar a inviabilizar a redemocratização. Porque, evidentemente, o Planalto quer tanto redemocratizar, quanto ganhar eleições.

O paradoxo desta história toda é que o Estatuto do Estrangeiro está obrigando o Planalto a decisões contrárias ao seu próprio projeto. A partir daí, derradeira pergunta se coloca: Mas afinal, quem é mesmo que está fazendo a agenda do Planalto? Quem é que está decidindo que decisões o Planalto tem de tomar? Na verdade, no mundo de hoje importa menos quem decide do que quem decide “o quê” quem decide terá de decidir.

Recife