Decorrida uma semana da greve dos camponeses de Pernambuco, o campo — usinas e engenhos — está quieto. Para os que insistem em viver do passado, a solução pacífica da greve no Tribunal Regional do Trabalho foi, no mínimo, um anticlímax. Os camponeses estão para o Nordeste rural como os metalúrgicos para o Centro-Sul urbano. É o setor do operariado de maior importância econômica e força política. Quando entraram em greve, houve quem pretendesse misturar as greves camponesas de 63/64 com as do ABC de 80, criar uma crise nacional e jogar areia na redemocratização.
Durante a greve, camponeses sofreram prisões arbitrárias, o que não os impediu de significativa vitória. Do episódio, retiramos algumas conclusões. A primeira é a maturidade das lideranças políticas de Pernambuco; a segunda é a possibilidade da convivência entre redemocratização e direito de greve.
Atente-se para o comportamento das lideranças como Miguel Arraes e Marco Maciel. Miguel Arraes reafirmou sua identificação com as reivindicações dos camponeses, e em nenhum momento aceitou provocações. Houve até quem o acusasse de iniciar a greve da semana passada, dezessete anos antes. Como bom sertanejo, Arraes aguardou seu próprio tempo de voltar ao Brasil. Recusou a armadilha que o regime lhe preparou. Não aceita provocações, nem oferendas suspeitas. Mantém sua identificação com o trabalhador rural e urbano, e aguarda sua vez.
Já Marco Maciel mais uma vez se credenciou junto ao Planalto como negociador discreto e homem de confiança do regime. A greve não se transformou em problema do 4.º Exército, nem questão de segurança nacional. Numa época em que o Planalto já não dá conta das crises que tem, a solução pacífica da greve foi um alívio. Erram os que avaliam o desempenho de Marco Maciel pelos recursos que obtém ou pelas estradas que constrói. Sua estratégia é outra. Tenta a difícil tarefa de ser fiel às necessidades econômicas e de segurança ditadas pelo Planalto, sem perder votos.
A segunda lição é que redemocratização e direito de greve podem conviver. Por incrível que pareça, os camponeses queriam sobretudo de seus patrões que cumprissem a lei. Pretendiam, por exemplo, que as balanças que no fim do dia pesam o trabalho fossem aferidas pelo Instituto de Pesos e Medidas. E que ao medir a área de cana plantada e colhida, base do cálculo salarial, em vez da tradicional “vara”, fossem usadas simples trenas. Numa ponta segura o plantador, na outra o trabalhador. E que o sistema tradicional de medição acabava sempre por escamotear cerca de 15% da cana colhida. Nestas circunstâncias, briga por índices de produtividade é briga posterior.
Resta saber se o acordo obtido no Tribunal é para ser cumprido ou não. Se for, teremos avançado na redemocratização. Se não for, caso se revele como tentativa de desmobilizar a classe trabalhadora rural, teremos apenas adiado uma crise nacional.