07 DE MAIO DE 2020
Vários motivos convergentes A meu ver, o decisivo e permanente tem sido conflito entre a política econômica que concentra a riqueza versus a representação política que universalizou o voto. São incompatíveis. Não bate. Pesquisas mostram. Uma última, do IBGE, evidenciou: 10% dos brasileiros concentram 43% da renda. A concentração é histórica. O voto é afetado pela experiência da desigualdade da maioria dos eleitores.
A constituição diz que os poderes são independentes e harmônicos entre si. Mas isto é o ideal.
O constitucionalismo de realidades mostra que os poderes estão em permanente tensão. Como vemos agora. Nem mesmo existe uma “recôndita harmonia”, diria Giuseppe Verdi.
E os poderes são interdependentes. O importante é a tensão não ser destrutiva e deixar de ser permanente, sem constrangimentos físicos ou ameaças inconstitucionais como a recente marcha do presidente Bolsonaro em direção ao Supremo para pressionar pela abertura da economia. Que nenhum poder paralise os outros. A tensão é própria da democracia.
Por causa da estratégia de cooptação não ideológica de parte da corporação militar, mesmo parte inativa. Que tem dois pilares básicos.
Primeiro, a distribuição de dezenas de cargos de confiança do segundo escalão em diante. Aumenta a renda da parcela governista dos militares. Tende a influenciar não o militar, mas o indivíduo militar. Podem então vir parentes, amigos, conhecidos. Difícil mudar depois. É uma estratégia de cooptação adaptativa.
Segundo, conforme última pesquisa do Ipespe, a opinião pública prefere a proposta desenvolvimentista do ministro Braga Neto, do que o controle do déficit fiscal. A ortodoxia financeira de Paulo Guedes está sendo recusada no mundo todo. Não é viável nestes tempos.
Como diria Ariano Suassuna, sou um realista esperançoso. O importante é que as instituições de controle como Supremo, Polícia Federal, Ministério Público, Tribunal de Contas da União, e todos funcionem a tempo e a hora. Sem adiar-se a si mesmos, dilatando prazos ou através de liminares.
Temos covid-19, temos a crise econômica e das instituições de controle da democracia, como aponta Beto Vasconcelos da Transparência Internacional.
Ir além do fortalecimento institucional. Contar com ampla, geral, irrestrita e permanente prática de todos. Sem medo e sem violências. A liberdade de expressão, liberdade de imprensa. Sem ameaças, sobretudo, do presidente.
A sociedade civil conta. As organizações sociais estão se mobilizando. Os empresários começam. Aliás, faltam lideranças empresarias nítidas no Brasil. Nossa economia é uma das dez maiores do mundo. Não acredito que, internacionalmente, qualquer ataque interno à democracia tenha aceitação. Somos um mercado importante. A pressão internacional também conta para uma democracia robusta.
O século XX foi o século da democracia. Mais de cem países optaram pela democracia. Alemanha, Áustria, quase toda a África. Argentina, Chile, Brasil etc.
Estas democracias estão passando por um stress test. Seja pela questão da imigração, seja pelo Brexit, seja pela ascensão da China. Estamos à beira de uma guerra fria entre China e Estados Unidos.
Por um exemplo simples. Por que o Presidente não quer mostrar o resultado do teste do coronavírus como manda, inclusive, o TRF da 3ª Região, presidido pelo desembargador Mairan Maia? Algo tão simples.
Por que não entrega o vídeo da reunião no Planalto, como pede o ministro Celso de Mello? Nixon foi obrigado a renunciar porque se recusou a entregar as fitas da Casa Branca no caso Watergate. Ia haver o impeachment. Caso igual. Talvez, além do vírus, existam mentiras no ar. Será?
As duas frases que mais ouvi nestas três semanas foram: “Desta vez o presidente ultrapassou os imites”, e “Não é hora de impeachment. O foco é o coronavírus”. Mas a política se move e quem sabe faz hora, não espera acontecer.
Entrevista publicada originalmente no Jornal do Commercio, no dia 10 de maio de 2020.
Joaquim Falcão. Copyright © 2018
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