Artigo publicado no Jornal Correio Braziliense, em 07.06.2017 ( Acesse aqui )

A OAB sempre teve duas missões fundamentais. Uma de interesse público. Vai além dela mesma e foi historicamente construída: a defesa das liberdades e do estado democrático de direito.

Esta missão está sendo concretizada agora com o pedido de impeachment e a constante presença de seu presidente, conselheiros e vozes maiores, quando o Brasil delas necessita.

Outra de interesse da classe: a defesa dos advogados para o livre exercício de sua profissão. Na rotina da história, esses dois objetivos se convergem.

A dificuldade, porém, é quando não estamos na rotina da história. Como agora. E a OAB tem que enfrentar situações onde muitos, mas extremamente poucos advogados, usam o livre exercício da profissão para cometer atos não somente ilícitos, mas antiéticos.

O que faz com que a defesa do livre exercício da profissão às vezes se confunda com puro e simples corporativismo. Onde a imensa, imensa, imensa maioria dos advogados, se sentem eles próprios constrangidos. Neste momento, o fantasma do corporativismo assola.

É neste contexto que devemos entender a proposta do Ministro Raul Jungmann do Ministério da Defesa de solicitar uma lei do Congresso que permita a gravação das conversas entre traficantes e líderes da violência nos presídios com seus advogados. No parlatório. A justificativa é que nestes momentos, informações preciosas para as organizações criminosas são repassadas para os advogados e familiares e que mantêm a estrutura, pelo menos financeira, do crime organizado.

Em muitos países estas gravações já são permitidas e não ofendem nem o direito de defesa nem o livre exercício da advocacia.

Acredito que o mesmo tipo de problema já se coloca, embora poucos ainda o reconheçam, nas investigações de corrupção quando “escritórios de advocacia”, entre aspas mesmo, pois na verdade não o são, participaram de ações ilícitas ou, no mínimo, temerárias.

Em seu soneto “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, um soneto eterno, Camões diz que o tempo e as mudanças assumem sempre “novas qualidades”. Esse uso do livre exercício da profissão é uma das patologias que estes novos e difíceis tempos colocam para a OAB.

Na verdade, são apenas dois os caminhos iniciais. Ou a OAB toma a liderança deste processo ou outros, como o Poder Executivo, o Congresso, o Judiciário ou a sociedade, vão pressionar mais e mais.

Em tempos de rotina, a OAB tem as suas comissões de ética para o controle destas patologias. Mas a rotina destas comissões parece não ser suficiente para o que os advogados e a sociedade delas esperam. Uma ação mais forte, decisiva e preventiva se faz necessária. Onde a defesa do livre exercício da profissão, além do interesse privado da classe, converge fortemente com o interesse público contra as múltiplas organizações criminosas.

Estas organizações criminosas são interprofissionais. Necessitam não somente de especialistas em violência, mas também de profissionais de administração, finanças, logística, comunicação e de profissionais legais também.

No combate ao regime autoritário, a OAB se reiniciou criando a indispensáveis Comissões de Direitos Humanos e outras mais. Foram para as ruas, liderar as ruas, na ausência dos partidos políticos, que nunca funcionam nos momentos decisivos de nossas liberdades e ética. Como agora. Acuados e sem rumo. Pior, denunciados também. Revelam-se apenas agrupamentos eleitorais.

O pedido do Ministro Raul Jungmann do Ministério da Defesa de nova legislação respeita o estado democrático de direito e mais ainda. Convida a OAB a tomar ela própria medidas de visibilidade e eficácia nacionais contra estas duas patologias: o envolvimento de escritórios de advocacia com a corrupção e o envolvimento com o crime organizado.

A OAB se reinventou. É preciso reinventar e fortalecer as comissões de ética.