Artigo publicado no Correio Braziliense no dia 17 de março de 2017 (Acesse aqui)

Passou quase desapercebida, para muitos, a entrevista do comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, ao jornal Valor Econômico, às vésperas do carnaval, sobre a presente situação nacional. Mas ainda há tempo. Não é todo o dia que um comandante do Exército se pronuncia sobre a cena brasileira. Neste mês de março, o Congresso e o Poder Judiciário estarão muito ativos. A Lava-Jato e seus desdobramentos como a Calicute, além de outras operações, como Zelotes (corrupção no Carf) e Boca Livre (fraudes à Lei Rouanet), devem recomeçar com força. As delações de Marcelo Odebrecht e de Sérgio Machado devem vir a público.

A atuação cuidadosa e independente do relator Herman Benjamin do Tribunal Superior Eleitoral deve se aproximar de uma decisão sobre a legalidade da chapa Dilma e Temer. A indicação dos novos ministros do Tribunal Superior Eleitoral também não passará desapercebida. A discussão da proposta do ministro Luís Roberto Barroso, limitando o uso do foro privilegiado como escudo, ainda que provisório, da impunidade dos políticos continuará.

É bom então ouvir o comandante. Sobretudo, quando estiver na ativa. Ou como cidadão eleitor e preocupado com o país. Sua posição é muito clara. Está sintonizada com a mídia e a imensa maioria da opinião pública, dos cidadãos e da Constituição. Diz inicialmente: ;Esse processo que o Brasil está enfrentando está atingindo nossa essência e nossa identidade. Tem outro componente. Que vem do processo histórico recente, das décadas de 1970, 1980. Até então, o país tinha identidade forte, sentido de projeto, ideologia de desenvolvimento. Perdeu isso. ;Hoje, somos um país que está à deriva, que não sabe o que pretende ser, o que quer ser e o que deve ser;.

Não é difícil entendê-lo. A maioria da classe política não está correspondendo à confiança dos eleitores. Os partidos políticos estão à deriva. Mas as investigações da polícia federal, do Ministério Público, e a atuação dos juízes nas instâncias inferiores não estão à deriva. Ao contrário, reafirmam sempre seu rumo: combater a improbidade administrativa e possibilitar competição empresarial limpa.

Sobre justamente a atuação do Judiciário no combate à corrupção, o comandante é muito claro: “Acho importante todo esse processo que estamos vivendo em decorrência da Lava-Jato e outras de operações. A Lava-Jato é a grande esperança de que se produza no país mudança neste aspecto ético que está atingido nosso cerne, que relativiza e deteriora nossos valores. Daí a importância desse protagonismo que a Justiça e o Ministério Público estão tendo. Esse processo é fundamental para o prosseguimento do país”.

E continua: “E aí, você me pergunta: o que pode acontecer se a Lava-Jato atingir a todos indiscriminadamente? Que seja. Esse é o preço que tem que se pagar. Esperamos que tenha um efeito educativo”.

Realmente, não faz sentido o país passar pelo trauma de impedir uma presidente eleita, sob acusação de crime de responsabilidade, para que se continue com as mesmas práticas dos antigos políticos em governo novo. E se mantenham as mesmas instituições e processos, sejam elas legislativas, sejam judiciais, sejam administrativas, que possibilitam a impunidade. Não é somente com o regular do caixa do Tesouro, ou a necessária reforma da Previdência e reforma fiscal que o país sairá dessa crise. E não faz sentido que para aprovar estas reformas, pelas quais o presidente Temer tem tanto se empenhado, o país tenha que pagar o preço da corrupção que viu e ainda vê.

Não é somente a inflação, o desequilíbrio orçamentário e os juros que provocaram esta crise. É uma crise de violência urbana e prisional também, com a qual o ministro Raul Jungmann tem cooperado para estancar, equilibrando a necessária ajuda aos estados em urgência com a proteção às tropas. O Brasil não pode viver à custa do uso excepcional das Forças Armadas e de ajudas financeiras emergenciais constitucionalmente duvidosas a estados falidos, nem jogar fora a Lei de Responsabilidade Fiscal. Precisa de mais do que apenas a negociação e o temor individual de políticos e empresários. Precisa de um projeto de curto, médio e longo prazo, reformador e aprofundador das instituições democráticas. Lord Keynes, famoso economista inglês, dizia que a longo prazo estaremos todos mortos. No Brasil, hoje, parece o contrário. A curto prazo, não temos saída.

Será?