Artigo publicado no Jornal O Globo, em 06.05.2016 (Acesse aqui)
A música Cartomante de Ivan Lins e Victor Martins, com magnífica interpretação de Elis Regina, parece ter sido feita ontem, em 1978, para hoje, 2016. Diz assim: “Cai o rei de espadas / Cai o rei de ouros / Cai o rei de paus / Cai, não fica nada”. Será mesmo que não?
Na quinta-feira, o Supremo fez cair um rei. Disse que Cunha não fica nem como deputado, nem como presidente da Câmara. Quem o substitui então? Qual o herdeiro? Depende. Será mesmo que não fica nada?
Na Câmara, deverá ser como manda o regimento da Casa. Assume o vice-presidente, Waldir Maranhão, no caso de ausência ou impedimento do presidente, para os trabalhos de rotina.
Na linha sucessória presidencial, não assume Maranhão. Assume o senador Renan Calheiros. Por motivo simples. É o que diz a Constituição. No impedimento do presidente da Câmara, não é o vice-presidente da própria Câmara quem assume. Mas sim o presidente do Senado.
Além de ser esta a nossa prática. Em 2002, quando estiveram ausentes do país o presidente, Fernando Henrique Cardoso, e o vice, Marco Maciel; e os presidentes da Câmara, Aécio Neves, e do Senado, Ramez Tebet, estavam de licença, foi assim. Quem assumiu foi o presidente do Supremo, ministro Marco Aurélio, quarto na linha sucessória. Os vices da Câmara e do Senado não entram.
Tudo claro. Mas nada acaba aí.
Na quinta-feira, o Supremo decidiu apenas a ação especifica, dentro da Lava-Jato, que atinge a Cunha.
Falta decidir a ação da Rede, sobre o princípio geral: congressista réu em processos penal pode estar na linha de sucessão da Presidência? Se esse princípio não for confirmado, o senador Renan continua presidenciável. Mesmo que temporariamente.
Mas é bom lembrar que o Supremo pode, a qualquer tempo, transformar Renan em réu. Já há uma denúncia e diversos inquéritos no tribunal contra ele. Nesse caso, se o Supremo concordar com o que pede a Rede, poderia cair também outro rei.
A realidade parece imitar a canção: cai a Presidência da República. Cai o presidente da Câmara. Pode cair o presidente do Senado. E não fica nada?
Em princípio, fica o vice-presidente Michel Temer, desde que denúncias contra ele não apareçam. Se aparecerem, desde que não sejam aceitas. Depende principalmente do Ministério Público e, em última instância, do próprio Supremo. O tribunal já se concedeu este poder. O de fazer cair qualquer rei. Foi por unanimidade, aliás. Como costuma ser o caso quando se trata de aumentar seu poder.
Mas não há que se ansiar. Quarta-feira, dia 11, o Senado julgará o afastamento de Dilma. No mesmo dia, ao lado, o Supremo pode estar julgando Renan.
Destino? Música ou coincidência?