Artigo publicado no site Jota, em 17.09.2015 (Acesse aqui)

por Joaquim Falcão,  Thomaz Pereira e Diego Werneck Arguelhes

Depois de 532 dias de silêncio (nos autos) o ministro Gilmar Mendes finalmente pronunciou seu voto no caso do financiamento de campanha por pessoas jurídicas. Em seu longo voto, o já esperado indeferimento do pedido foi secundário. Mendes lançou acusações de que a ação seria tentativa de conseguir via Supremo, em benefício do PT, uma reforma política que o partido não conseguiria aprovar no legislativo.

No mundo de Mendes, o PT seria “autor oculto” por trás da OAB, que propôs a ação. Acusou outros ministros, a OAB, a UERJ e – por arrastamento – todos os demais acadêmicos e entidades sociais que questionam a doação de empresas para campanhas políticas de meros fantoches de interesses políticos escusos.

Se sobrou imaginação para conspirações, faltou a capacidade de levar ideias a sério. A história de Mendes só fecha em um mundo em que ideias — de acadêmicos, de ativistas e de seus próprios colegas de tribunal — não tenham poder algum.

Até aqui, Mendes está sozinho, no tribunal, em sua indignação contra a ação. Seis outros ministros já deferiram total ou parcialmente o pedido. Fizeram-no com base em ideias, e não sem grande discussão.

Foram também ideias e debates entre os 81 conselheiros da OAB que produziram a ação, e ideias e debates – tão complexos quanto necessários – que fizeram com que proibição da doação de empresas se tornasse pauta defendida por amplos setores da sociedade, no Brasil e em diversas outras democracias, muito além do alcance deste ou daquele partido político.

Particularmente grave é ignorar o papel das ideias para se compreender a atuação da Faculdade de Direito da UERJ, que lançou há alguns anos uma Clínica de Direitos Fundamentais. A Clínica, que participa desse processo como amicus curiae, resulta da atuação conjunta de professores e alunos comprometidos com o constitucionalismo brasileiro. É um espaço onde ideias nutridas no debate acadêmico dialogam com diferentes movimentos sociais e se transformam em ações judiciais. Pode-se discordar das ideias em si, mas são elas, e não a política partidária, o motor dessas iniciativas.

Se o problema de Mendes é com a integração entre acadêmicos de direito e ativismo judicial, ele foi duplamente derrotado na sessão de ontem. Perdeu no caso em si, mas perdeu também o bonde da história. Em diversos países, e cada vez mais em diversas instituições no Brasil, pesquisa acadêmica produz ideias que mobilizam alunos e professores a atuarem como amicus ou a moverem suas próprias ações.

Na verdade, a rejeição ao poder legítimo das ideias é surpreendente vinda de um dos maiores idealizadores de um Supremo ativista — que determina que a união estável não se limite a um homem e uma mulher, que o executivo reforme presídios e que o uso de drogas não possa ser criminalizado. Que, no que diz respeito ao sistema eleitoral, tem moldado com suas decisões o sistema eleitoral em que vivemos, declarando a inconstitucionalidade de cláusulas de barreira, regulando coligações partidárias e decidindo perda de mandato por infidelidade partidária. Será o ministro o único a se mover por ideias?

Pode-se defender que não é função do Supremo decidir sobre essa questão – seja por limites institucionais, seja por limites do texto constitucional. O ministro Teori Zavascki, aliás, fez sem conspirações, sem ofensas à autora, aos amici curiae e aos seus colegas – e sem rejeitar o fato óbvio que faculdades de direito são e devem ser incubadoras de ideias, que podem e devem gerar ações concretas. Mendes, em contraste, recusava aos seus interlocutores dentro e fora do tribunal qualquer legitimidade.  Ao final da sessão um dos advogados do caso pediu a palavra em nome da OAB para se defender das acusações proferidas. Mendes recusou-se a ouvir, levantou-se e foi embora do plenário. Dessa vez, não levou os autos do processo com ele.